quinta-feira, 19 de julho de 2007

A casa do futuro passa por aqui

Fabricação de kits 'faça você mesmo' beneficiará população de baixa renda

     "Imagine que você precisa de uma janela nova para sua casa. Então você vai a uma loja de material de construção, faz a compra, traz a janela pra casa e a encaixa perfeitamente – e sem dificuldade – no lugar da antiga." Com essa analogia simples, o coordenador do Núcleo de Design e Sustentabilidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Aguinaldo Santos, explica o conceito de modulação, que direciona o projeto de fabricação de kits 'faça você mesmo', voltado para a construção de habitações populares.
 

Protótipo da casa do futuro desenvolvido pelo Núcleo de Design da UFPR. (Imagem cedida pelo Núcleo de Design e Sustentabilidade/UFPR)
 
     O núcleo, apoiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), através do Programa Habitare, produziu recentemente um sistema de cobertura para moradias e desenvolve agora móveis que possibilitam a criação de diferentes ambientes, os chamados móveis-divisória. A meta é estabelecer padrões de como devem ser projetados produtos habitacionais, barateando custos de produção, e permitir sua montagem pelo próprio comprador, cortando gastos com mão-de-obra especializada.
     Com o kit cobertura, segundo estimativa de Santos, houve redução de 16% no custo de produção do material em relação ao modelo tradicional de madeira. Vale lembrar que de 35% a 45% do custo da construção dizem respeito a trabalho especializado. No total, a cobertura modular tem um potencial de redução de aproximadamente 60%.
     Um protótipo desse kit já está sendo utilizado no município de Piraquara, região metropolitana de Curitiba, para abrigar uma loja de artigos produzidos pela associação de moradores local. "Dentro de alguns meses o kit cobertura deverá ser comercializado", informa Santos. Para chegar ao seu estado final, o modelo passou por diversas etapas de testes durante o ano de 2005.
     Fiel à linha 'faça você mesmo', desde o início do ano a equipe da UFPR encara um novo desafio: projetar kits de mobiliários-divisória. "Por ora tentamos entender a aspiração das pessoas, o que elas consideram um bom imóvel", conta Santos. Nessa pesquisa, nove universidades de todo o Brasil se unem para desenvolver projetos habitacionais de interesse social. "Nossa intenção é, em um prazo de quatro a cinco anos, oferecer um conjunto de kits para que as pessoas possam montar quase uma casa inteira", diz.
     Santos adianta que os primeiros modelos do kit móveis-divisória serão testados em junho ou julho deste ano. A tentativa é acelerar os processos de construção para identificar e corrigir possíveis erros de fabricação e montagem.
 
     Os testes envolverão 10 famílias.
     Além da preocupação econômica, há também cuidado com a preservação do ambiente de onde se extrai o material envolvido na pesquisa e com o tratamento da matéria-prima. "Sempre que possível, o material usado na fabricação dos módulos é renovável e procuramos continuamente respeitar critérios de sustentabilidade", afirma o coordenador do Núcleo de Design da UFPR.
 
 
Morador da região metropolitana de Curitiba monta kit de cobertura. Os pregos são substituídos por encaixes. (Imagem cedida pelo Núcleo de Design e Sustentabilidade/UFPR)  
  
     Os módulos de cobertura, por exemplo, são fabricados em aço galvanizado e OSB (da expressão Oriented Strand Board ), material composto por pequenas lascas de madeira orientadas segundo uma direção (nos módulos preconizados pelo núcleo da UFPR, a madeira deve vir de florestas manejadas). O kit divisória deverá ser produzido com OSB, polímeros biodegradáveis (plástico) e MDF (do termo Medium Density Fiberboard ), também de origem vegetal, com a peculiaridade da adição de resinas sintéticas às fibras de madeira. Nos kits , os pregos são substituídos por encaixes.
 
     Solução para um velho problema
     Santos diz que o Brasil vive hoje um problema sério de produtos que não conversam espacial e funcionalmente entre si, sobretudo aqueles voltados para a habitação. Segundo ele, existem normas de modulação no país, mas o problema é de capacitação técnica. "Cada fabricante faz um produto com uma geometria diferente e, quando se quer comprar algo para a casa, é preciso quebrar parte da parede para encaixar." Na Alemanha, Finlândia e Inglaterra já é possível comprar itens de adaptação por catálogo.
     Outra realidade do país são as condições precárias de boa parte das moradias populares, quase sempre construídas por mutirões, sem qualquer acompanhamento técnico. Após longa pesquisa que envolveu conhecimentos de ergonomia e 'usabilidade', o núcleo encontrou soluções para suprir a necessidade de auxílio na montagem. De acordo com Santos, além de simples, os manuais de instrução são práticos, fundamentados apenas em desenhos e cores. A idéia é que mesmo um leigo consiga montar um produto a partir de instruções visuais. "A forma induz o processo de montagem", completa.
     Quando se trata de moradia popular de baixo custo, alguns preconceitos referentes a parâmetros de desempenho, como boa ventilação, iluminação e acústica, vêm à tona. A resposta de Santos à questão é direta: "Consideramos esses problemas ao desenvolver nossos produtos. Por ser barato, o módulo não é necessariamente de má qualidade". E garante que uma boa modulação permite que o usuário personalize o ambiente do jeito que bem entender.

Autor: Wilerson Barros - Ciência Hoje

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