Tema foi discutido nesta segunda-feira, na 59ª Reunião Anual da SBPC, em Belém
Há uma tensão existente entre um novo marco institucional regido pelo ordenamento territorial na Amazônia, voltado para a racionalização do uso dos recursos naturais (um quadro legal que vem se consolidando) e a necessidade de se considerar a diversidade das formas organizacionais sociais das populações locais e seus modos próprios de gestão dos recursos naturais.
A chamada 'economia das florestas', com seus produtos madeireiros e não madeireiros, seria mesmo uma alternativa ao alcance das populações locais para melhorar a renda familiar?
Estes foram os temas centrais do encontro aberto acerca do valor da floresta e as populações rurais na Amazônia, realizado na tarde desta segunda-feira, coordenado pelo antropólogo Roberto Araújo de Oliveira Santos Júnior (MPEG), com a participação de Márcia Muchagata, agrônoma do Sistema Florestal Brasileiro (SFB/MMA), Raimunda Monteiro, coordenadora do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará (Ideflor), Gabriel Medina, doutorando na Universidade de Freiburg (ex-aluno do Núcleo de Estudos Integrados em Agricultura Familiar NEAF, da UFPA), Iran Veiga e Gutemberg Guerra, ambos do NEAF.
"A floresta é suprimida não porque os colonos não queiram, mas pela falta de condições de rentabilizar o seu uso sustentável". De acordo com Márcia Muchagata (SFB/MMA), as questões relativas ao meio ambiente dependem mais da capacidade das populações locais pautarem a problemática.
Através de pesquisa realizada na região de Marabá (sudeste do Pará) entre as populações de colonos (migrantes), verificou-se a sua grande capacidade em absorver conhecimentos sobre os recursos naturais, incluindo o reconhecimento de inúmeras espécies e do seu uso.
Nesse sentido, a degradação ambiental deve-se a uma incapacidade institucional (políticas públicas e ações de governo) de possibilitar condições de uso sustentável da floresta. É necessário negociar com os agricultores familiares, bem organizados para a conquista da terra ou para obter benefícios do Pronaf, mas não para o uso sustentável.
De acordo com Raimunda Monteiro (Ideflor), o novo marco regulatório representa um freio institucional ao desmatamento e aos usos ilícitos dos recursos naturais, mas não estrutural, uma vez que a dinâmica das pressões permanece ativa.
O acesso ao mercado continua sendo uma questão problemática, face às dificuldades de incremento de tecnologia e de capital (financiamentos, etc.), aliadas àquelas de organização visando o uso florestal sustentável. Nessa relação desigual há poucas chances de a agricultura familiar concorrer com setores dominantes (madeireiro).
O manejo florestal comunitário só é rentável com investimento infra-estrutural pago por "projetos de apoio" de órgãos de desenvolvimento (governo ou ongs) e o final desses "projetos" acaba por inviabilizar a iniciativa.
A partir de experiências na Amazônia boliviana e peruana e de casos nos estados do Acre e do Pará, Gabriel Medina (Ideflor e Universidade de Freibourg) tratou dos sistemas de manejo comunitário em que a remuneração se dá pela venda de madeira para os madeireiros ou pelo manejo comunitário.
Através de um sistema de benefícios indiretos (infra-estrutura), verifica-se um elevado grau de dependência das populações locais em relação a órgãos de desenvolvimento (madeireiras ou ongs).
A antigüidade da interação homem- natureza na Amazônia e a diversidade da agricultura familiar (a sua própria definição, do ponto de vista legal) são os pressupostos da reflexão de Iran Veiga (NEAF) acerca da tensão existente entre o marco do ordenamento territorial e a diversidade das populações locais e seus modos de gestão dos recursos naturais.
O manejo florestal comunitário deve responder à necessidade de participação das populações locais no manejo dos recursos naturais, traduzindo-se no seu "empoderamento", o que faz valer a multiplicidade dos modos de gestão dos recursos naturais e dos saberes envolvidos.
Finalmente, há uma tensão entre essa multiplicidade e as políticas públicas que, por sua vez, tendem a abafar essa diversidade, suprimir os espaços formais de negociação com iniciativas fixadoras no tempo. Há uma confrontação permanente entre o saber técnico e o saber local, assim como o risco de legitimação de imposições, como os "planos de uso" das Resex, por exemplo.
Há uma visão normativa do que deve ser o futuro da iniciativa, em que a "mata" é o elemento dinâmico na preservação de um lote. Os critérios técnicos são externos à comunidade, distintos em relação à visão dos colonos e parece não haver mecanismos para negociar essas visões diferenciadas.
Do mesmo modo a idéia do "comunitário" vem idealizando e fixando a diversidade das formas de organização social o comunitário é, ao mesmo tempo, "local" e "territorial". No contexto da fronteira, todavia, a migração é um fenômeno sempre presente, constituindo-se parte da realidade dessas comunidades.
Existe um processo de aprendizagem social em torno do projeto de manejo florestal comunitário (o Estado, as ongs versus as populações locais) mas que tipo de participação está em curso? O manejo florestal comunitário expressa realmente uma alternativa?
"É preciso reinventar na elaboração de novas formas de abordagem na agronomia" segundo Gutemberg Guerra (Neaf), sociólogo e último expositor. Há uma polissemia da "mata" que precisa ser observada. Se para os madeireiros de Marabá, nas décadas de 80 e 90, a vocação da árvore era se tornar madeira (ou dinheiro), em pranchas, há também um conjunto de funções positivas da árvore - como fornecer sombra, frutos, refúgio de pássaros, embelezamento de paisagem etc.
Verificam-se, portanto, inúmeros usos materiais e imateriais da floresta, em que o seu valor não monetarizável acaba ficando oculto.
Quanto às questões do aquecimento global e das mudanças climáticas, os parâmetros para as relações com a natureza têm que ser reinventados o desafio consiste, exatamente, em ressignificar e criar novas práticas de pensar e de refazer essas relações.
Autora: Iara Ferraz - Jornal da Ciência
Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=48601
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