quarta-feira, 11 de julho de 2007

Economia das florestas é alternativa para populações da Amazônia

Tema foi discutido nesta segunda-feira, na 59ª Reunião Anual da SBPC, em Belém
 
     Há uma tensão existente entre um novo marco institucional regido pelo ordenamento territorial na Amazônia, voltado para a racionalização do uso dos recursos naturais (um quadro legal que vem se consolidando) e a necessidade de se considerar a diversidade das formas organizacionais sociais das populações locais e seus modos próprios de gestão dos recursos naturais.
     A chamada 'economia das florestas', com seus produtos madeireiros e não madeireiros, seria mesmo uma alternativa ao alcance das populações locais para melhorar a renda familiar?
     Estes foram os temas centrais do encontro aberto acerca do valor da floresta e as populações rurais na Amazônia, realizado na tarde desta segunda-feira, coordenado pelo antropólogo Roberto Araújo de Oliveira Santos Júnior (MPEG), com a participação de Márcia Muchagata, agrônoma do Sistema Florestal Brasileiro (SFB/MMA), Raimunda Monteiro, coordenadora do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará (Ideflor), Gabriel Medina, doutorando na Universidade de Freiburg (ex-aluno do Núcleo de Estudos Integrados em Agricultura Familiar – NEAF, da UFPA), Iran Veiga e Gutemberg Guerra, ambos do NEAF.
     "A floresta é suprimida não porque os colonos não queiram, mas pela falta de condições de rentabilizar o seu uso sustentável". De acordo com Márcia Muchagata (SFB/MMA), as questões relativas ao meio ambiente dependem mais da capacidade das populações locais pautarem a problemática.
     Através de pesquisa realizada na região de Marabá (sudeste do Pará) entre as populações de colonos (migrantes), verificou-se a sua grande capacidade em absorver conhecimentos sobre os recursos naturais, incluindo o reconhecimento de inúmeras espécies e do seu uso.
     Nesse sentido, a degradação ambiental deve-se a uma incapacidade institucional (políticas públicas e ações de governo) de possibilitar condições de uso sustentável da floresta. É necessário negociar com os agricultores familiares, bem organizados para a conquista da terra ou para obter benefícios do Pronaf, mas não para o uso sustentável.
     De acordo com Raimunda Monteiro (Ideflor), o novo marco regulatório representa um freio institucional ao desmatamento e aos usos ilícitos dos recursos naturais, mas não estrutural, uma vez que a dinâmica das pressões permanece ativa.
     O acesso ao mercado continua sendo uma questão problemática, face às dificuldades de incremento de tecnologia e de capital (financiamentos, etc.), aliadas àquelas de organização visando o uso florestal sustentável. Nessa relação desigual há poucas chances de a agricultura familiar concorrer com setores dominantes (madeireiro).
     O manejo florestal comunitário só é rentável com investimento infra-estrutural pago por "projetos de apoio" de órgãos de desenvolvimento (governo ou ongs) e o final desses "projetos" acaba por inviabilizar a iniciativa.
     A partir de experiências na Amazônia boliviana e peruana e de casos nos estados do Acre e do Pará, Gabriel Medina (Ideflor e Universidade de Freibourg) tratou dos sistemas de manejo comunitário em que a remuneração se dá pela venda de madeira para os madeireiros ou pelo manejo comunitário.
Através de um sistema de benefícios indiretos (infra-estrutura), verifica-se um elevado grau de dependência das populações locais em relação a órgãos de desenvolvimento (madeireiras ou ongs).
     A antigüidade da interação homem- natureza na Amazônia e a diversidade da agricultura familiar (a sua própria definição, do ponto de vista legal) são os pressupostos da reflexão de Iran Veiga (NEAF) acerca da tensão existente entre o marco do ordenamento territorial e a diversidade das populações locais e seus modos de gestão dos recursos naturais.
     O manejo florestal comunitário deve responder à necessidade de participação das populações locais no manejo dos recursos naturais, traduzindo-se no seu "empoderamento", o que faz valer a multiplicidade dos modos de gestão dos recursos naturais e dos saberes envolvidos.
     Finalmente, há uma tensão entre essa multiplicidade e as políticas públicas que, por sua vez, tendem a abafar essa diversidade, suprimir os espaços formais de negociação com iniciativas fixadoras no tempo. Há uma confrontação permanente entre o saber técnico e o saber local, assim como o risco de legitimação de imposições, como os "planos de uso" das Resex, por exemplo.
     Há uma visão normativa do que deve ser o futuro da iniciativa, em que a "mata" é o elemento dinâmico na preservação de um lote. Os critérios técnicos são externos à comunidade, distintos em relação à visão dos colonos e parece não haver mecanismos para negociar essas visões diferenciadas.
     Do mesmo modo a idéia do "comunitário" vem idealizando e fixando a diversidade das formas de organização social – o comunitário é, ao mesmo tempo, "local" e "territorial". No contexto da fronteira, todavia, a migração é um fenômeno sempre presente, constituindo-se parte da realidade dessas comunidades.
     Existe um processo de aprendizagem social em torno do projeto de manejo florestal comunitário (o Estado, as ongs versus as populações locais) – mas que tipo de participação está em curso? O manejo florestal comunitário expressa realmente uma alternativa?
     "É preciso reinventar na elaboração de novas formas de abordagem na agronomia" – segundo Gutemberg Guerra (Neaf), sociólogo e último expositor. Há uma polissemia da "mata" que precisa ser observada. Se para os madeireiros de Marabá, nas décadas de 80 e 90, a vocação da árvore era se tornar madeira (ou dinheiro), em pranchas, há também um conjunto de funções positivas da árvore - como fornecer sombra, frutos, refúgio de pássaros, embelezamento de paisagem etc.
     Verificam-se, portanto, inúmeros usos materiais e imateriais da floresta, em que o seu valor não monetarizável acaba ficando oculto.
     Quanto às questões do aquecimento global e das mudanças climáticas, os parâmetros para as relações com a natureza têm que ser reinventados – o desafio consiste, exatamente, em ressignificar e criar novas práticas de pensar e de refazer essas relações.
 
Autora: Iara Ferraz - Jornal da Ciência
Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=48601

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