quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Síndrome de transtorno contra Al Gore

     O que nos traz à maior razão por que a direita odeia Gore: neste caso, a campanha de difamação fracassou. Ele recebeu tudo que jogaram nele, e emergiu mais respeitado, mais crível do que nunca. E isso os deixa loucos
Paul Krugman, colunista do "The New York Times", é professor da Universidade de Princeton, EUA. Artigo publicado no "The New York Times":
Um dia depois de Al Gore receber o Prêmio Nobel da Paz, os editores do "The Wall Street Journal" não conseguiram nem mencionar seu nome. Em vez disso, dedicaram seu editorial a uma longa lista de pessoas que achavam que mereciam mais o prêmio.
     E na "National Review Online", Iain Murray sugeriu que o prêmio deveria ter sido compartilhado com "aquele famoso ativista da paz, Osama Bin Laden, que implicitamente endossou a postura de Gore". Você vê, Bin Laden certa vez disse algo sobre a mudança climática -portanto, qualquer um que fala sobre mudança climática é amigo de terroristas.
 
     O que tem Gore que deixa a direita maluca?
     Parcialmente é uma reação ao que aconteceu em 2000, quando o povo americano escolheu Gore, mas seu oponente, de alguma forma, terminou na Casa Branca.
     Tanto o culto à personalidade que a direita tentou construir em torno do presidente Bush quanto a difamação histérica freqüente contra Gore foram em grande parte motivadas pelo desejo de apagar a mancha de ilegitimidade do governo Bush, acredito.
     E agora que Bush se provou claramente o homem errado para o cargo -e sim, de fato, o melhor presidente que os recrutadores da Al Qaeda poderiam esperar- os sintomas da síndrome de transtorno contra Gore ficaram ainda mais extremos.
     A pior coisa sobre Gore, do ponto de vista conservador, é que ele continua certo. Em 1992, George H.W. Bush zombou dele como o "homem do ozônio". Três anos depois, entretanto, os cientistas que descobriram a ameaça à camada de ozônio receberam o Prêmio Nobel de química.
     Em 2002, ele advertiu que, se invadíssemos o Iraque, "o caos resultante poderia facilmente impor um perigo muito maior aos EUA do que enfrentamos atualmente de Saddam". E assim foi provado.
     O ódio contra Gore, porém, é mais pessoal. Quando a "National Review" decidiu chamar seu blog antiambiental de "Planet Gore", estava tentando desacreditar tanto a mensagem quanto o mensageiro.
     Pois a verdade sobre a qual Gore estava falando, de como as atividades humanas estão mudando o clima, não é apenas inconveniente; para os conservadores, é profundamente ameaçadora.
     Considere as implicações políticas de levar a mudança climática a sério.
"Sempre soubemos que o interesse próprio desmedido era moralmente ruim", disse FDR. "Agora sabemos que é economicamente ruim." Essas palavras se aplicam perfeitamente à mudança climática.
     É do interesse da maior parte das pessoas (e especialmente de seus descendentes) que alguém faça alguma coisa para reduzir as emissões de dióxido de carbono e de outros gases de efeito estufa, mas cada indivíduo gostaria que esse alguém fosse outra pessoa. Deixe ao mercado livre e, em poucas gerações, a Flórida estará submersa.
     A solução para tais conflitos entre o interesse próprio e o bem comum é prover aos indivíduos um incentivo para fazerem a coisa certa. Neste caso, as pessoas têm que receber uma razão para cortar as emissões de gás de efeito estufa, seja requerendo que paguem imposto sobre emissões ou exigindo que comprem licenças de emissão, que tem basicamente o mesmo efeito que um imposto sobre emissões.
     Sabemos que tais políticas funcionam: o sistema americano de "limites e trocas" de licenças de emissão de dióxido de enxofre foi altamente bem sucedido para diminuir a chuva ácida.
     A mudança climática é, entretanto, mais difícil de lidar do que a chuva ácida, porque as causas são globais. O acido sulfúrico nos lagos americanos vem principalmente do carvão queimado nas usinas americanas, mas o dióxido de carbono no ar dos EUA vem de carvão e petróleo queimado em torno do planeta -e uma tonelada de carvão queimada na China tem o mesmo efeito no clima futuro que uma tonelada de carvão queimada aqui.
     Então, lidar com a mudança climática não só exige novos impostos ou seu equivalente, mas também negociações internacionais nas quais os EUA terão dar assim como receber.
     Tudo que acabei de dizer não deveria ser controverso - mas imagine a recepção que teriam um candidato republicano à presidência se admitisse essas verdades no próximo debate. Hoje, ser um bom republicano significa acreditar que os impostos devem sempre ser cortados, nunca aumentados. Também significa que devemos bombardear e provocar os estrangeiros, não negociar com eles.
     Então, se a ciência diz que temos um grande problema que não pode ser resolvido com cortes de impostos ou bombas -bem, a ciência deve ser rejeitada e os cientistas enlameados.
     Por exemplo, o "Investor's Business Daily" recentemente declarou que a proeminência do pesquisador da Nasa James Hansen, o primeiro a fazer da mudança climática uma questão nacional, há duas décadas, deve-se de fato a esquemas nefandos de - quem mais - George Soros.
     O que nos traz à maior razão por que a direita odeia Gore: neste caso, a campanha de difamação fracassou. Ele recebeu tudo que jogaram nele, e emergiu mais respeitado, mais crível do que nunca. E isso os deixa loucos.
 
Autor: Paul Krugman  (Tradução: Deborah Weinberg) - The New York Times, Uol.com/Mídia Global - Jornal da Ciência
 

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