quinta-feira, 26 de julho de 2007

Com os dias contados?

Assentamentos ameaçam continuidade do maior estudo sobre fragmentos florestais na Amazônia
 
     Uma região ao norte de Manaus abriga desde 1979 o maior e mais longo estudo sobre fragmentos florestais do mundo. Em uma área de 1.000 km 2 , pesquisadores comparam como o isolamento de pequenos trechos da mata afeta o equilíbrio ecológico na Amazônia. O projeto já rendeu mais de 500 artigos científicos e 100 teses de mestrado e doutorado. Mas sua continuidade está ameaçada pela colonização dessa região, promovida pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), órgão público responsável pela administração da área.
 
Trecho isolado de mata estudado no Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais, que procura entender como a fragmentação da floresta afeta o equilíbrio ecológico na Amazônia (fotos: PDBFF).
 
     A Suframa promoveu a instalação de assentamentos ao longo da estrada secundária que sai da BR-174 (Manaus-Boa Vista) e atravessa a área onde é realizado o Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF). Para os próximos anos, prevê-se a acomodação de 180 famílias em seis núcleos, um dos quais nas imediações de um dos acampamentos do PDBFF na região.
     As atividades predatórias praticadas nos assentamentos – como a derrubada da mata para produção de carvão e móveis – ameaçam a conservação dos trechos de mata intacta da região, usados para monitorar como as diferentes espécies se comportam nos fragmentos florestais e nas áreas de mata intocada.
     Preocupados com os prejuízos a um projeto de valor científico inestimável, pesquisadores do PDBFF fizeram, em vão, sucessivos apelos ao Suframa nos últimos anos para interromper a colonização da região. Diante do fracasso das tentativas de negociação, dois deles resolveram fazer um pedido público de socorro. Em artigo publicado na edição desta semana da Nature , eles pedem a mobilização da opinião pública para salvar o projeto.
     A presença dos novos colonos na área do estudo já mudou a paisagem da região, conforme conta a ecóloga Regina Luizão, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), coordenadora científica do PDBFF. "Hoje você pega a estrada para ir aos acampamentos e só vê aqueles telhados de zinco brilhando sob o Sol, onde antes era pura floresta". A derrubada de mata intacta está restringindo o território de onças e outros animais de grande porte, que agora estão sendo avistados com maior freqüência.
     A violência é outro temor suscitado pelos assentamentos. "Nosso acampamento que fica mais próximo da beira da estrada já foi assaltado duas vezes este ano", conta Regina. "Nossos estudantes estão coletando dados ouvindo tiros e motosserras." O artigo da Nature , assinado por ela e por William Laurance, pesquisador do Instituto Smithsoniano de Pesquisa Tropical, no Panamá, afirma que uma escalada de violência na região poderia levar a uma tragédia comparável ao assassinato da freira Dorothy Stang no Pará em 2005.
 
     Impasse institucional 
     A área em que está sendo realizado o estudo dos fragmentos florestais faz parte do chamado Distrito Agropecuário da Zona Franca de Manaus, criada com o objetivo de estimular o desenvolvimento econômico local. Inicialmente, a região estava destinada a abrigar lavouras e pastagens que permitissem abastecer o contingente populacional que Manaus deveria receber em função dessa iniciativa.
 
O mapa mostra, em vermelho, as áreas do projeto que estuda fragmentos florestais. A região delimitada em branco corresponde ao Distrito Agropecuário da Suframa, no qual estão incluídas as áreas estudadas. Clique no mapa para ampliar.
 
     No entanto, os solos da região se mostraram impróprios para essas atividades e as terras foram deixadas de lado. No final dos anos 1970, parte delas foi doada ao Inpa e a outras instituições científicas para a realização de estudos na área.
     Em nota distribuída à imprensa por sua assessoria de comunicação, a Suframa reafirma que a área mencionada pelos pesquisadores faz parte do Distrito Agropecuário sob sua administração.
     A Suframa alega que propôs ao Inpa em 2003 estabelecer uma zona de segurança em volta das áreas de pesquisa, mas não houve consenso em relação ao tamanho dessa zona. Segundo a nota, não foram feitos desde então assentamentos de famílias no entorno da área destinada aos estudos – o que os autores do artigo da Nature contestam. De qualquer forma, a Suframa não abre mão da sua prerrogativa de instalar um pólo agropecuário na região.
     "A Suframa tem buscado dar total apoio ao trabalho das instituições de pesquisa desenvolvido nessa área, sem prejuízo ao objetivo-fim do Distrito Agropecuário, que é o de possibilitar a atividade de produtores rurais mediante rígidos critérios, de forma sistemática e organizada, de modo a viabilizar a ocupação e exploração econômica, ecologicamente correta e socialmente desejável das áreas ocupadas com atividades agrícolas e agroindustriais, com o objetivo de atender a grande demanda por terras agricultáveis, visando a geração de emprego e renda na região", afirma a nota.
 
     Relatório ignorado 
     Regina Luizão alega que os assentamentos promovidos pela Suframa são ilegais, pois estão sendo feitos sem qualquer licenciamento ambiental. O mais irônico, afirma ela, é que a colonização da região desrespeita as recomendações de um relatório feito para orientar o zoneamento econômico e ecológico do Distrito Agropecuário da Zona Franca de Manaus. O documento foi encomendado pela própria Suframa a especialistas, entre os quais alguns pesquisadores do PDBFF.
     "Esse relatório diz claramente que as atividades de maior impacto para o território do Distrito Agropecuário são a expansão urbana, a atividade de carvoaria e a pecuária de corte", conta Regina. "A Suframa recebeu em 2005 o relatório que ela encomendou e pagou com dinheiro público, relutou em liberar o documento e está fazendo o contrário do que ele recomenda!" 
 
Um dos sete acampamentos que o Projeto Diversidade Biológica de Fragmentos Florestais mantém na Amazônia.
 
     A Suframa se defende dizendo que a entrega do relatório "foi apenas o primeiro passo de um amplo processo para sua implantação, que envolve a análise do conteúdo e recomendações do estudo, que está em fase final de realização por uma comissão interdepartamental". Antes de sua implementação, afirma a nota da Suframa, as recomendações precisam também ser submetidas à aprovação do Ministério do Meio Ambiente e do governo do Amazonas.
     Os autores esperam que o apelo lançado à opinião pública com o artigo da Nature ajude a resolver o impasse institucional. Segundo eles, não resta muito tempo para agir: em julho, quando começa a estação seca e a temporada de queimadas na Amazônia, a ameaça se intensifica. "Na estação seca é muito difícil controlar o fogo", explica Regina Luizão. "Há um risco enorme de vermos milhões de dólares investidos ao longo de 28 anos sumirem em fumaça."  
 
Autor: Bernardo Esteves  - Ciência Hoje On-line
Disponível em: http://cienciahoje.uol.com.br/97185

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