sábado, 29 de dezembro de 2007

O defensor das águas

Como um promotor federal conseguiu proteger o paraíso turístico de Bonito, e começa a fazer a lei florestal ser adotada em todo o Pantanal
 
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Loubet em um dos poços de águas transparentes. Fazendas da região estavam sujando os rios
     TRANSPARÊNCIA
     O jovem promotor luciano lou- bet, de 31 anos, iniciou há quatro anos uma espécie de revolução na cidade de Bonito, em Mato Grosso do Sul, um dos principais destinos do ecoturismo no Brasil por suas águas transparentes. Ele se engajou na luta para que órgãos públicos, donos de propriedades turísticas e produtores rurais cumpram a legislação ambiental. Foi armado de um código florestal antigo, mas amplamente desrespeitado no país, que Loubet ajudou a salvar Bonito da degradação. Agora, os frutos de sua militância se espalham por outras comarcas do Estado.
 
 
     Quando Loubet assumiu a procuradoria, em 2002, as fazendas desmatavam toda a vegetação nos topos de morros e ao longo dos rios que formam os balneários. Essa floresta, chamada de mata ciliar, é essencial para proteger o solo e reter a água da chuva, evitando que ela arraste terra ao rio e o assoreie. O Código Florestal Brasileiro, de 1965, já obriga os proprietários a manter intactos esses pontos vulneráveis, chamados de Áreas de Preservação Permanente (APP), além de uma reserva legal com mata nativa de 20% da área da propriedade. Mas poucos cumprem a exigência.
     Para mudar a situação, Loubet contou com o apoio das fundações O Boticário e Neotrópica, uma ONG local especializada em conservação, além do Ibama, da Prefeitura de Bonito e da Polícia Ambiental. Criou um projeto, batizado Formoso Vivo, que examinou o estado dos rios de Bonito. O diagnóstico das 75 propriedades do Rio Formoso, o principal da região, revelou que 46 estavam sem vegetação nas APPs. "Nosso objetivo é preservar a galinha dos ovos de ouro de Bonito", diz Loubet. "Se o meio ambiente for degradado, as pessoas que vivem do turismo não terão mais trabalho." A atividade turística é a maior empregadora da cidade.  
 
Bonito têm lagos de águas cristalinas

     Após quase 200 reuniões com os proprietários, o promotor conseguiu que eles assinassem o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), um compromisso de se adequar à lei. No termo, o fazendeiro se obriga a adotar medidas de conservação do solo, regularizar a reserva legal em cartório e recuperar a mata ciliar. Para recuperá-la, o proprietário precisa cercar a área para impedir a passagem do gado e plantar mudas nativas. Hoje, cerca de 70% da mata ciliar degradada está sendo recuperada. É isso que garante a água limpa rio abaixo, nas piscinas naturais de Bonito.
    
 ''O grande papel dele foi levantar a idéia de que não existe lei ambiental que não pegou''
 
     MIGUEL MILANO, coordenador da Fundação Avina
     Em geral, os fazendeiros driblam os esforços da Justiça para que cumpram a legislação ambiental. Loubet recorreu a estratégias inovadoras, como registrar na matrícula do imóvel que o fazendeiro é réu numa ação civil pública. "Se ele quiser vender sua propriedade, o eventual comprador fica ciente de que há uma ação na Justiça", diz. A Justiça de Mato Grosso do Sul respaldou a iniciativa, criando jurisprudência. Com táticas assim, Loubet conseguiu a adesão dos proprietários. Apenas um deles se recusou a assinar o documento.
 
Localização de Bonito
 
     Loubet virou referência na Justiça ambiental do país porque passou a fazer comprir leis que estavam abandonadas. "O grande papel dele foi levantar a idéia de que não existe lei que não pegou", afirma Miguel Milano, da Fundação Avina, uma ONG que financia lideranças sociais em toda a América Latina. "Isso é fundamental em um país com uma legislação ambiental que passa em branco nas regiões agrícolas." Há dois anos, o rigor de Loubet gerou conflitos em Bonito. O promotor tinha suspendido passeios turísticos de bote sem licença ambiental, que lotavam os balneários de banhistas. Foi questionado se não estava colocando em risco o negócio do turismo. "Ao contrário", disse. "Se os proprietários não tomarem os cuidados exigidos pela lei, vão degradar os locais de banho e, aí, sim, arriscarão a sustentabilidade do turismo."
     Ele diz ter visto isso acontecer. Loubet, que nasceu e cresceu em Campo Grande, freqüentava outro balneário popular no Estado, o de Rio Verde de Mato Grosso.
     "Quando fui lá aos 12 anos, uma das atrações era um poço com profundidade de 30 metros. O pessoal saltava do alto de uma pedra", afirma. "Voltei três anos depois e as pessoas caminhavam com água pela cintura." Segundo Loubet, o mais impressionante era que a terra que entupiu o rio vinha do desmatamento em apenas duas fazendas. Loubet diz que foi ali que percebeu como poucos fazendeiros podiam fazer um estrago tão grande em um período tão curto.
    
     O Ministério Público do Estado vai começar a monitorar o desmatamento por satélite
     Ele também foi um dos primeiros promotores a entender que as questões ambientais não têm fronteiras. Afinal, a água do rio não respeita as divisões dos mapas. Bonito fica em uma região de planalto. Suas águas alimentam o Pantanal, outra preciosidade turística. "Não adianta nada o promotor da comarca de uma área de planície fazer um trabalho de conservação da mata ciliar se o colega que atua no planalto, onde ficam as nascentes dos rios, não fizer o mesmo." Seguindo o modelo do Formoso Vivo, de Loubet, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul está examinando a situação ambiental das 650 fazendas ao longo do Rio Miranda, um dos mais importantes formadores da planície pantaneira, que tem problemas com desmatamento em suas cabeceiras. Após sua conclusão, os promotores das comarcas da Bacia do Miranda serão encarregados de obrigar os proprietários a recompor a mata ciliar e regularizar a reserva legal de 20% em suas fazendas.
 
Lago Azul
 
     Loubet tem se dedicado a criar uma rede de promotores para a proteção do Pantanal. Ele faz questão de destacar que a idéia só seguiu graças ao apoio dos procuradores de Justiça do Estado. "Não fiz nada sozinho", diz. Articulados em rede, os promotores do Estado estão conseguindo recursos técnicos que nenhuma outra promotoria do país tem. A Fundação Avina investirá quase R$ 150 mil para montar um laboratório capaz de monitorar o desmatamento com imagens de satélite. O sistema deverá estar em operação até meados de 2008. Agora, os promotores estão se articulando fora das fronteiras. No fim de novembro, em Bonito, vão participar de um encontro inédito com colegas de Mato Grosso e do Paraguai para traçar uma estratégia conjunta de ações. "Conseguimos romper com o comarquismo", diz Loubet.
 
Fonte: Alberto Gonçalves - Ecolmeia (www.ecolmeia.com ) - Revista Época - Pense Verde - Portal do Meio Ambiente


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