segunda-feira, 4 de agosto de 2008

ONGs gaúchas contestam Estudo de Impacto Ambiental das barragens Jaguari e Taquarembó

     Cerca de 7 mil hectares de áreas com grande biodiversidade podem ser "afogados" por duas barragens previstas para a bacia do rio Santa Maria, a Jaguari e a Taquarembó. ONGs ambientais gaúchas reforçaram o alerta sobre os danos ambientais decorrentes da construção dos reservatórios e no início de junho entregaram à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) uma representação relacionada aos Estudos de Impacto Ambiental (Eia/Rimas) das barragens. "É uma última tentativa de impedir esse descalabro ambiental que terá conseqüências negativas significativas para o Pampa", diz Antonio Eduardo Lanna, professor, consultor da OEA e doutor (PhD) em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos.
     Desde as audiências públicas, realizadas dias 10 e 11 de junho em Dom Pedrito e Rosário do Sul, a Fepam analisa os documentos recebidos. "Estamos avaliando os impactos da proposta", afirma Iara Velasquez, arquiteta e coordenadora da Equipe Técnica que avalia os Eia/Rima na Fepam. "Os motivos pelos quais foram construídos os estudos é de responsabilidade e demanda do proponente, no caso, as Secretarias Estaduais de Obras e de Irrigação", cita. "A Fepam não interfere na elaboração do projeto, mas avalia a proposta em relação aos impactos que vão causar".
     "Além dessas, outras 11 barragens na mesma bacia do Santa Maria, estão com projetos avançados, e com o interesse de forças políticas e econômicas de peso", destaca Lanna. Ele denuncia "a instalação de uma papeleira no município de Rosário do Sul, intensificando a implantação da monosilvicultura do eucalipto em campos naturais de grande valor ecológico". Lanna diz que o projeto visa a irrigação dos eucaliptos, recentemente apontado como uma das prioridades da Secretaria Extraordinária de Irrigação e Usos Múltiplos da Água.
     Os ambientalistas das ONGs, por sua vez, dizem não ter dúvidas de que essas obras visam também a irrigação de grandes áreas privadas de lavouras de arroz, não considerando os impactos sociais e ambientais sobre Áreas de Preservação Permanente (APPs), envolvendo o Pampa.
     "Essa região já apresenta déficits hídricos naturais - por isto não desenvolveu florestas - e vai ser agredida duplamente com a implantação dos eucaliptos, que aumentarão esses déficits hídricos, e que ainda usarão as águas restantes para serem irrigados", lamenta Lanna, citando os "desertos verdes" do norte do Espírito Santo e do sul da Bahia como parâmetros "do que vai virar o Pampa".
     Violação da lei
     Outro motivo da representação junto ao Ministério Público teria sido o descumprimento dos prazos de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por parte dos empreendedores. Eles ainda teriam violado o artigo 76 do Código Estadual do Meio Ambiente, que proíbe a vinculação entre empreendedor e equipe técnica do Estudo de Impacto Ambiental, explica o advogado Christiano Ribeiro, integrante do Movimento Integridade, uma das ONGs envolvidas no questionamento das barragens.
     "Os empreendedores violam o Código Estadual do Meio Ambiente, que proíbe a ligação ou vinculação da equipe técnica do Eia/Rima com o executor do empreendimento. Essa ligação está comprovada pelos levantamentos do professor Lanna, o que pode anular o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (Eia/Rima), pois há regras legais que impedem essa vinculação", salienta Ribeiro. Ele cita ainda a precariedade técnica dos laudos, que não consideraram a biodiversidade do local e a presença de espécies endêmicas.
     Anulação do projeto
     Para Ribeiro, todo o projeto das barragens pode ser anulado. "Se a justiça acatar o pedido de litis consorti ativo, movido pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e Igré (ONGs), o processo deverá ser mantido e enriquecido pelas informações e questionamentos apresentados pelas entidades". Outro aspecto que pode invalidar o projeto é que o executor não apresentou uma alternativa de local para a instalação das barragens, num local menor e que cause menos impactos ambientais. "Pelos aspectos técnicos e formais, não tem como dar credibilidade a esse estudo". "Vale a pena usar dinheiro público na construção de barragens que beneficiem produtores privados e não à maioria da sociedade?", questiona o professor Antonio Eduardo Lanna. "Será que a obra é realmente necessária e seus usos socialmente justificáveis?", prossegue, destacando o investimento de cerca de R$ 80 milhões, numa parceria entre Ministério da Integração Nacional e Secretaria de Obras do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
     Na obra do Arroio Jaguari, serão R$ 61.991.816,00, dos quais R$ 21.501.436,00 cabem ao governo do RS. No Taquarembó, R$ 61.405.945,00, sendo R$ 22.112.325,00 a contrapartida do Estado.
     Para Lanna, os governos falam que são obras de usos múltiplos, para abastecer Rosário do Sul e Dom Pedrito, "mas não conseguem esconder o real propósito: irrigar, principalmente o arroz. Falam em 80mil hectares, mas não falam que na bacia do Santa Maria já existe excesso de uso de água exatamente por conta da irrigação do arroz e que grande parte da água disponibilizada pelas barragens irá cobrir o déficit sem aumentar a área irrigada. Já sobre impactos ambientais, nada", lamanta Lanna.
     Supressão de florestas
     A barragem Jaguari, no município de Rosário do Sul, tem previsão de alagar 2.752 hectares. Já a Taquarembó, em Dom Pedrito, vai ocasionar um alagamento de 1.350 hectares. "E ainda: serão mais de 1.132 hectares de florestas de galeria que deverão ser suprimidas ou sucumbirão com essas duas obras. Uma fauna raríssima e ameaçada, assim como as florestas mais contínuas (matas em galeria) da região do Pampa", lamenta o consultor.
     Segundo dados do próprio Eia/Rima, na área prevista para o alagamento das duas barragens, a quantidade de árvores que deverão ser suprimidas é de 1 milhão 579 mil 106 árvores nativas, "a grande maioria de espécies que não existem em nenhum viveiro do Estado", apontam as ONGs. Segundo elas, os estudos não fazem menção a espécies ameaçadas de extinção que têm seu habitat apenas naquela região, as chamadas endêmicas.
      Lanna já havia denunciado, em março de 2007, a presença de um Rima com diversas falhas técnicas e a ausência de EIA correspondente e atualizado, havendo apenas um estudo (EIA) do ano de 2001, elaborado pela Beck de Souza Engenharia. "Há mais de um ano tenho lutado contra essas barragens e conseguido vitórias transitórias, como a retirada de um Eia/Rima fajuto da Fepam, em maio/2007, e uma liminar contra Licença Prévia igualmente irregular, em agosto/2007", cita.
     "Temo agora que possa estar se prenunciando uma derrota definitiva com a aprovação dos Eia/Rimas, em que pese as denúncias que encaminhei aos Ministérios Públicos Estadual e Federal e à Fepam", diz, ao lamentar a falta de visibilidade política dessa luta. "Tenho a impressão que apenas umas cinco pessoas desimportantes como eu têm se movimentado. Isso pode fazer com que o governo do Estado nos patrole, como tem nos patrolado em oportunidades em que a visibilidade política é maior, como no caso das licenças para silvicultura e para a quadruplicação da Aracruz".
     Processo reiniciado
     Iara Velasquez, arquiteta e coordenadora da Equipe Técnica que avalia os Eia/Rima na Fepam, reconhece que o Eia/Rima apresentado não estava completo. "A agora o processo foi reiniciado e anda normalmente dentro da lei de licenciamento ambiental". "Foi feito todo um novo processo", diz.
     "Desde 2001, os objetivos foram se adaptando às demandas sociais e aos benefícios futuros das obras. Quando, ainda no governo Rigotto, em 2006, esse projeto foi declarado como de interesse social, passou a valer a lei que orienta para a determinação dos usos múltiplos da água, a Resolução do Conama número 369, garantindo assim o repasse de recursos do PAC para obras consideradas estrategicamente interessantes pelo governo federal, em sintonia com o estadual", analisa Iara.
     Segundo a técnica, a Licença Prévia das barragens "está juridicamente esclarecida. O cronograma do plano de trabalho elaborado pelo governo está sendo cumprido", defende Iara, ao citar que "a responsabilidade pela emissão de licença prévia sem Eia/Rima foi assumida pela Fepam perante o juiz de Lavras do Sul e hoje essa fase já foi superada, senão não seria possível realizar as audiências". Ela acrescenta que "a Fepam liberou Licença Prévia para garantir os recursos para a construção das barragens, mas não interferimos na elaboração do projeto".
     A Equipe Técnica de Eia/Rima da Fepam está avaliando os documentos resultantes das audiências públicas, que são degravados e os questionamentos, respondidos. Um geólogo que integra a equipe que elaborou o projeto via Beck Engenharia diz que a licença prévia para a construção das barragens na Fepam "tá pra sair". Já a coordenadora de Eia/Rima da Fepam afirma não ter previsão: "Nosso interesse é fazer o estudo o mais rápido possível, dentro das informações e da qualidade da licença".
Por Adriane Bertoglio Rodrigues, especial para a EcoAgência.
Postado por Wilson Junior Weschenfelder


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