quinta-feira, 24 de julho de 2008

Pesquisas ecológicas sofrem sérios danos com turismo

Quando Michael Soule pesquisava borboletas no montanhoso vale de Gothic, Colorado, no começo dos anos 60, a cidade de Crested Butte era pouco mais que um povoado carvoeiro quase abandonado. "Não havia nem onde comprar uma camiseta ou caneca", diz Soule, que hoje trabalha como biólogo especialista em conservação.

     Crested Butte, renascida como uma meca do montanhismo e das mountain bikes, hoje apresenta fileiras de butiques e acesso fácil às montanhas. No Laboratório Biólogico das Montanhas Rochosas, onde Soule e gerações de outros pesquisadores estudaram sobre habitats alpinos remotos, o crescimento está mudando tanto a paisagem quanto os dados que eles coligem. O laboratório, como muitos outros locais tradicionais de pesquisa ecológica, está tentando decidir se estuda as mudanças ou se deveria combatê-las.

     Fundado em 1928, no local de uma antigo povoado cuja atividade era a mineração de prata, o laboratório independente atrai estudantes e cientistas de todo o mundo.

     Trabalhando ao lado de um pico de 3.848 metros que se assemelha a uma catedral gótica, os pesquisadores durantes décadas reuniram dados sobre insetos, salamandras, marmotas e os cronogramas de florescimento das plantas de montanha.

Estudos sobre comportamento de animais em seus habitats alpinos são perdidos com a alteração do ambiente causada por turistas

Estudos sobre comportamento de animais em seus habitats alpinos são perdidos com a alteração do ambiente causada por turistas (foto: New York Times)

     "Todo o laboratório trabalha basicamente em experiências de longo prazo", disse Paul Ehrlich, da Universidade Stanford, que estuda as populações de borboleta na área do laboratório e regiões vizinhas desde 1960.

     O aquecimento global atraiu mais interesse científico quanto a esses conjuntos de dados de prazo muito longo, que revelam mudanças induzidas pelo clima que não podem ser vistas em estudos mais curtos.

     À medida que o turismo crescia em Crested Butte, visitantes começaram a invadir o vale de paredes íngremes que abriga o laboratório. A estrada de terra estreita entre a área de esqui e o laboratório, conduz a trilhas de bicicleta e locais de acampamento, e é comum vê-la lotada de carros, bicicletas e veículos fora de estrada.

     O tráfego diário pelo laboratório pode exceder os 750 veículos, ridiculamente baixo para os padrões urbanos, mas uma alteração pronunciada para esse vale que passou tanto tempo isolado e onde as filas de automóveis levantam nuvens persistentes de poeira.

     Os pesquisadores descobriram que a agitação perto da estrada torna mais provável que os pardais de coroa branca comuns à região abandonem seus ninhos.

     As multidões cada vez mais numerosas também podem prejudicar as pesquisas; a despeito dos avisos, turistas muitas vezes removem as estacas e bandeiras que marcam pontos de pesquisa, e cachorros fora da coleira invadem áreas em que experiências estão em curso.

"Local do Laboratório Biológico The Rocky Mountain. Fundado em 1928. Acesso apenas com permissão". Apesar dos avisos, turistas ultrapassam os limites (foto: New York Times)

     A poeira da estrada é tão densa, ocasionalmente, que torna difícil observar de longe a fauna, e o tráfego em alta velocidade mata pássaros e mamíferos que são objeto de estudos de longa duração.

     "Embora as marmotas possam ter se desenvolvido de maneira singularmente elegante para enfrentar predadores, não evoluíram para enfrentar carros", disse Daniel Blumstein, biólogo da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

     Em uma manhã de dia de semana, no começo de julho, a equipe de Blumstein recolheu uma marmota que acabara de ser atropelada e morta; a etiqueta que ela trazia na orelha a identificava como parte de um estudo sobre o comportamento da marmota que o laboratório iniciou 46 anos atrás. Por estes roedores viverem por até 15 anos, um único animal pode representar um tesouro em termos de dados científicos. "Cada fêmea que tenha filhotes é um bem inestimável", disse ele.

     Não muito tempo atrás, uma marmota marcada com etiqueta subiu em um carro perto do laboratório e foi parar em um posto de gasolina em Aurora, um subúrbio de Denver a 400 quilômetros de distância - exemplo extremo do que ele define como "dispersão por automóvel" das marmotas que vivem no terreno do laboratório.

     Enquanto os cientistas empreendem novos esforços de pesquisa em longo prazo, como a Rede Nacional de Observatórios Ecológicos, com o objetivo de documentar o efeito das alterações climáticas e outros fenômenos mundiais, muitos estudos de campo de longa duração estão enfrentando intensa pressão devido ao crescimento e ao desenvolvimento.

     "Os lugares onde trabalhos essenciais foram realizados, onde agora dispomos de uma fundação e para os quais podemos voltar e repetir alguma coisa 10 vezes por temos nova tecnologia e novos dados com que trabalhar... Muitos desses lugares agora se tornaram inacessíveis; não existem mais", disse Julio Betancourt, paleontologista do Serviço de Levantamento Geológico dos Estados Unidos. "Isso está se repetindo inúmeras vezes".

Fundado em 1928, o laboratório independente atrai estudantes e cientistas de todo o mundo (foto: New York Times)

     Betancourt passou a maior de sua carreira no Laboratório do Deserto, uma reserva de pesquisa botânica criada 105 anos atrás nas cercanias de Tucson.

     O laboratório, que antigamente ficava no meio do deserto, agora está cercada por áreas urbanizadas e se tornou local de passeio não só para adeptos das caminhadas, além de ter sido invadido por uma gramínea propensa a incêndio.

     A despeito de sua tradição de observação passiva, o laboratório teve de estabelecer horários de visita e combater a gramínea com herbicidas e com cortadores de grama.

     Alguns dos locais da Rede de Pesquisa Ecológica de Longo Prazo, um sistema de 26 áreas financiadas pela Fundação Nacional de Ciências, adotaram medidas igualmente ativas para evitar os avanços da civilização, trabalhando para preservar as terras que os cercam, administrar os visitantes e erradicar espécies invasivas. Mas a maioria deles não têm opção a não ser tornar as incursões oportunidades de pesquisa.

     Na estação Palmer, na Antártida, William Fraser, que passou mais de 30 anos estudando os efeitos do turismo sobre a demografia dos pingüins Adelie, concluiu que a regulamentação estrita do turismo serviu para proteger os pingüins que vivem na área da estação.

Fonte: The New York Times - Terra Notícias

Postado por Wilson Junior Weschenfelder



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