Uma revolução silenciosa está acontecendo numa das ilhas mais gélidas e isoladas do planeta, alertou um grupo de pesquisadores. Eles mediram o quanto as geleiras da Groenlândia despejaram em gelo no oceano entre 2000 e o ano passado e viram que o fluxo praticamente dobrou entre uma data e outra.
O fenômeno parece ter relação direta com um aumento de 3 graus na temperatura da região e pode significar, no futuro, um aumento muito mais radical do nível dos oceanos da Terra do que o que se esperava. O alerta foi lançado por Eric Rignot, do JPL (Jet Propulsion Laboratory) da NASA na abertura do 172º encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Progresso da Ciência) em Saint Louis. O artigo com as principais conclusões da pesquisa foi publicado na revista Science. Segundo o pesquisador, os dados da Groenlândia jogam por terra tudo o que as pessoas achavam saber sobre o impacto das mudanças na geleiras. "Nenhum dos modelos usados para prever o aumento do nível dos oceanos levava em conta esse aumento no fluxo das geleiras", afirmou.
O que isso significa em números reais ainda é difícil de dizer. Rignot deixa claro que o mar não vai subir um metro no mundo todo da noite para o dia. Mas, num prazo de dez anos, as geleiras em derretimento poderiam passar a contribuir entre duas e três vezes mais para o aumento do nível dos oceanos do que o estimado. Isso é crucial e alarmante porque, depois da Antártida, a Groenlândia guarda o maior reservatório de gelo em áreas terrestres do mundo. Se tudo virasse água, o resultado seria o brutal aumento de sete metros no nível do mar. Os dados do estudo vieram do acompanhamento detalhado, por satélite, de movimento, espessura e velocidade das geleiras da ilha desde o fim da última década. As geleiras são verdadeiros rios de água congelada que normalmente fluem para o oceano a velocidades baixíssimas. Muitas vezes isso nem se reflete em perda da massa do rio de gelo porque a queda de mais neve compensa o que é perdido para o mar. Não é, porém, o que tem acontecido na Groenlândia: no sudoeste e especialmente no sudeste da ilha, que é possessão dinamarquesa, a chamada descarga das geleiras aumentou de 90 quilômetros cúbicos para 220 quilômetros cúbicos na última década.
Uma simulação computadorizada realizada pela NASA mostra como a diminuição na altura do gelo é mais acentuada no sul e no leste da Groenlândia.
A imagem do National Snow and Ice Data Center de Boulder, Estados Unidos, indica que o padrão de derretimento não se verifica apenas na Groenlândia mas é uma realidade em praticamente toda a região do Ártico.
O gráfico acima mostra a variação da temperatura nos últimos anos de acordo com a estação do ano.
Depois de 40 anos de estabilidade, a geleira Kangerdlugssuaq, no sudeste da Groelândia, se transformou em uma das que se dissolve com maior velocidade no mundo, segundo um especialista da Universidade de Maine, nos Estados Unidos. Ela retrocedeu inesperadamente cinco quilômetros desde 2002, de acordo informações da Nasa. A geleira se move a uma velocidade de 38 metros por dia - ou 14 quilômetros ao ano - três vezes mais rápido do que em 2002. Ninguém observou nada semelhante a estas mudanças antes. O aceleramento preocupa os cientistas. O aquecimento do planeta elevou a temperatura do sul da Groelândia na década passada, derretendo o cume das geleiras na região e criando grandes lagos. Mas os lagos que cobriam a Kangerdlugssuaq desapareceram em 2002. As fendas da geleira, ao que parece, fizeram escorrer água para o fundo, onde age como lubrificante e acelera o rumo do fluxo para o oceano.
O gráfico ao lado mostra a evolução da cobertura de gelo na Groenlândia e outras áreas dos hemisfério norte nos últimos 25 anos. Tendência semelhante a da Groenlândia foi constatada na Antártida, onde as pesquisas científicas identificaram pelo menos seis geleiras que tiveram seu derretimento acelerado. A que sofre degradação mais rapidamente, a geleira Pine Island, contém gelo suficiente para elevar em um metro o nível mundial do mar. O quadro groenlandês é completado pelo de outras geleiras continentais mundo afora. Situação parecida se vê no Himalaia, com conseqüências potencialmente catastróficas para o suprimento de água. E na América do Sul e seus Andes os efeitos também são sentidos. A única estação de esqui da Bolívia, Chacaltaya, fechou porque sua geleira se dividiu em três. E a única geleira da Venezuela andina praticamente não existe mais."
Mas é importante dizer que assim como ocorre com o tema do aquecimento global, há divergências quanto à diminuição da cobertura de gelo na Groenlândia. Algumas pesquisas, ao contrário, sinalizam que teria aumentado a espessura do gelo nos últimos anos (gráfico acima). O fato é que a maioria dos especialistas atribui a maior parte da subida do mar ao derretimento dos gelos. As geleiras contêm aproximadamente 75% da água doce do planeta. Se todos os gelos terrestres derretessem, o nível do mar aumentaria cerca de 70 metros em todo o mundo, segundo a Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA). Se a camada de gelo da Groelândia derretesse, o nível do mar no planeta subiria aproximadamente sete metros.
A simulação acima mostra um cenário de pesadelo com o derretimento extremamente acentuado da Groenlândia nas próximas décadas se mantido o padrão atual apontado pelas pesquisas que confirmam a diminuição da cobertura de gelo. Mas os cientistas ainda debatem se o derretimento associado ao aquecimento global tem a influência do homem ou se origina de fatos naturais. Isso porque episódios intensos e abruptos de aquecimento aparecem mais de vinte vezes no registro climático do gelo da Groenlândia. Várias centenas ou milhares de anos após o começo de um período de aquecimento típico, o clima revertia para um resfriamento lento, seguido por um resfriamento rápido, em intervalos tão curtos quanto um século. Então, o mesmo padrão se repetia, com outro período de aquecimento, com talvez apenas alguns anos. Durante as condições mais extremas de frio, icebergs chegavam à costa de Portugal. É provável que desafios menores do que esses tenham expulsado os vikings da Groenlândia durante o período frio mais recente, chamado de Pequena Idade do Gelo, que começou por volta de 1400 d.C. e durou 500 anos.
O meteorologista Eugenio Hackbart, Diretor-Geral da MetSul Meteorologia, observa que a pesquisa divulgada pela revista Science baseou-se em dados sobretudo dos últimos 5 anos. Foi justamente neste período que se observou uma maior elevação da temperatura no sul da Groenlândia (ver gráfico acima). Hackbart ressalta que se for analisada a temperatura média no sul da Groenlândia nos últimos 50 anos, houve um resfriamento médio de 1 grau (gráfico abaixo).
O gráfico acima mostra as anomalias de temperatura no planeta no mês de janeiro de 2006. É de particular interesse como no hemisfério norte a parte ocidental registrou temperatura brutalmente acima da média e a região oriental temperatura excepcionalmente abaixo da média. Na Groelândia, que neste momento é o nosso foco de interesse, a temperatura se comportou como na América do Norte com temperatura muito acima da média. Conforme estudo publicado na revista Scientific American, esse esquenta-esfria violento observado no norte aconteceu de forma diferente em outras partes do mundo, ainda que todos os fenômenos possam ter tido uma raiz comum. Épocas frias e úmidas na Groenlândia estiveram ligadas no passado a condições climáticas particularmente frias, secas e ventosas na Europa e na América do Norte e também coincidiram com clima quente incomum no Atlântico Sul e na Antártida. Independente das conclusões dos cientistas, a questão do aquecimento global é a que merece mais atenção por parte da humanidade e a MetSul Meteorologia seguirá dedicando amplos espaços às mais recentes pesquisas e ao debate travado na comunidade científica.
Autor: Alexandre Amaral de Aguiar - Metsul
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