Os vários protestos contra a obra de transposição das águas do rio São Francisco vinham transcorrendo de maneira pacífica, mas, na quarta-feira passada, esse caráter começou a perder terreno.
O Povo Indígena Truká, que resiste ao projeto do Governo, reteve oito técnicos da Coelba, a empresa de abastecimento de energia da Bahia, que foram verificar torres de alta tensão na Ilha de Assunção, onde a etnia se concentra, no município de Cabrobó, a cerca de 500 Km de Recife.
Os truká tinham derrubado uma das torres, comprometendo parte do abastecimento de energia da região de Curaçá e Abaré, na Bahia. A ação dos índios foi motivada pelo corte da energia elétrica da Ilha, promovida pela Celpe a empresa do setor em Pernambuco desde a manhã da terça-feira. O quadro de insatisfação agravou-se pelo fato de o corte ter sido levado a termo sem aviso prévio nem à Funai, nem à comunidade Truká, interrompendo ainda seu abastecimento de água, feito por intermédio de bombeamento elétrico.
As lideranças Truká estiveram em Recife para conseguir uma audiência com as autoridades do governo do Estado, mas não foram recebidos. "A gente tinha um acordo com o governo para permitir que as torres de alta tensão passassem em nosso território; em contrapartida, o povo não teria ônus com a energia e esse acordo agora foi descumprido", disse o cacique da aldeia, Neguinho Truká, conforme informações da Articulação São Francisco Vivo.
Segundo ele, o povo Truká é o maior produtor de arroz de Pernambuco e precisa da energia para irrigar suas roças, que já estariam prejudicadas. "Entendemos que essa já é retaliação contra nosso povo por causa do interesse da transposição", avalia o cacique. Eles lutam pela demarcação do território, iniciada há mais de 10 anos, na área onde o governo federal tenta construir o eixo norte do projeto.
Sem acordo com o Governo de Pernambuco, os índios acabaram liberando os técnicos da Coelba no final da tarde, após eles ficarem retidos por quatro horas. Fecharam a entrada da ponte que dá acesso à Ilha e não permitiam a entrada de ninguém, em exigência à religação imediata da energia.
Ainda na quarta, avisaram que, caso o Governo não o fizesse, iriam derrubar mais torres de alta tensão no dia seguinte, quinta-feira, à razão de uma a cada meia hora. A ameaça não chegou a se concretizar porque o abastecimento foi normalizado ontem (09) pela manhã.
A Companhia Energética de Pernambuco (CELPE) alega que a Fundação Nacional do Índio (Funai), teria uma dívida de R$ 14,3 milhões de contas não pagas desde 1984. Entretanto, teve que voltar atrás no corte devido a pressão e solicitação do Ministério Público Federal.
Hoje, está prevista a continuidade das negociações, em reunião que deve envolver representantes da CELPE, Funai e do povo Truká.
Argumentos
A obra de transposição das águas do São Francisco continua no centro de uma polêmica a que o Governo Federal parece não dar atenção. A Diretoria Executiva do Comitê da Bacia do rio já divulgou nota oficial em que afirma: "As incertezas e contradições do projeto, levantadas pela Comunidade Científica, representam uma temeridade sobretudo diante da extraordinária soma de recursos destinada ao projeto pelo PAC (o Programa de Aceleração do Crescimento lançado pelo Governo Federal) - 6,6 bilhões de reais -, somente nas suas etapas iniciais".
Segundo a entidade, o projeto de transposição atende a menos de 20% da área do Semi-Árido e que 44% da população que vive no meio rural continuarão sem acesso à água. "Exatamente os que mais precisam vão permanecer excluídos dessa mega iniciativa do Governo Federal", diz a nota.
Para o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco CBHSF -, a decisão do Governo Federal ignora outras prioridades mais urgentes de investimentos para aumentar a oferta de água em todo o Semi-Árido, inclusive nos municípios da própria Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.
Os eixos da transposição do rio São Francisco.
Fonte da imagem: http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/imagens/projeto/eixos2.jpg
No início deste mês, a Agência UnB divulgou uma matéria em que seis especialistas da própria instituição, a Universidade de Brasília, garantem que, embora seja notória a necessidade de promover o desenvolvimento do interior nordestino castigado pela seca, a falta de estudos mais amplos sobre o rio São Francisco pode comprometer o investimento de R$ 4,5 bilhões.
"Pesquisadores da UnB acreditam que a quantidade de água a ser transposta não é suficiente para a agricultura. De acordo com eles, a transposição deverá ser acompanhada por um grande conjunto de obras para as quais não existem recursos financeiros assegurados. E para piorar, pode ser que o rio perca sua vazão em 20 anos", coloca a reportagem. (Para ler a íntegra, clique aqui)
Autora: Mônica Pinto - / AmbienteBrasil (com informações da Assessoria de Comunicação da Articulação São Francisco Vivo)
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