quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Contaminação agrícola faz surgir rãs de seis patas

     Rãs com seis patas ou com quadris adicionais podem ter suas deformidades atribuídas aos resíduos ricos em nutrientes gerados por fazendas e ranchos americanos, de acordo com um estudo conduzido pela Universidade do Colorado.
     Os biólogos sabem há diversos anos que parasitas conhecidos como tremátodes podem infectar as rãs jovens e causar severas deformidades, mas ninguém havia descoberto até agora por que a incidência desses parasitas está em alta.
     Pieter Johnson, biólogo da universidade, e seus colegas descobriram que a poluição por nutrientes - resíduos da agricultura ricos em nitrogênio e fósforo - pode deflagrar uma reação em cadeia biológica nos lagos e corpos aquáticos, que começa com larvas e termina em rãs que não são capazes de saltar.
     O trabalho dos pesquisadores do Colorado foi publicado na mais recente edição da revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.
     "Trata-se do primeiro estudo a demonstrar que o enriquecimento dos nutrientes gera a abundância desses parasitas e as deformações", afirmou Johnson.

 
Rãs com seis pernas são anomalias cada vez mais comuns no Colorado, onde pesquisa culpa as fazendas pelo fenômeno.
Pieter Johnson/Universidade do Colorado/Divulgação

     O estudo de Johnson também oferece uma lição sobre como as alterações ambientais causadas por seres humanos podem tornar a vida mais fácil para os parasitas nocivos, disse o biólogo.
     A poluição por nutrientes em algumas vias aquáticas de Belize favorece as espécies de mosquitos portadoras de malária, disse Johnson, e as águas ricas em nutrientes em todo o mundo favorecem os organismos que causam cólera, infestação por algas e alergias comuns a nadadores.
     Depois que alunos de uma escola de Minnesota descobriram um pequeno lago povoado apenas por rãs imensamente deformada, em 1995, o número de incidentes semelhantes começou a crescer cada vez mais no território dos Estados Unidos - especialmente no Meio-Oeste e na região noroeste da costa do Pacífico.
     Para determinar se a presença de nutrientes era capaz de explicar ao menos em parte essa questão, Johnson e seus colegas criaram 36 falsos lagos no centro do Wisconsin e os abasteceram com números controlados de caramujos e girinos verdes.
     Os tremátodes que causam deformidades em rãs são pequenos vermes que dependem de uma série de hospedeiros para obter pleno desenvolvimento, passando dos caramujos às rãs e pássaros.
     Os pesquisadores acrescentaram nutrientes a alguns dos lagos experimentais, e os cientistas fizeram o papel de pássaros, adicionando ovos de parasitas aos tanques.
     Os pássaros executam essa tarefa, em ambientes naturais, comendo rãs infectadas e excretando parasitas.
     Nos lagos contendo nutrientes, as algas floresceram, os caramujos que as consomem se tornaram maiores e mais prolíficos e os parasitas que os caramujos portam produziram oito vezes mais ovos, segundo Johnson e seus colegas.
     As rãs dos lagos ricos em nutrientes sofreram de duas a cinco vezes mais infecção por tremátodes, e têm menor probabilidade de sobreviver do que os animais que vivam em água comum de lago, eles constataram.
     A pesquisa é importante porque os anfíbios estão desaparecendo em todo o mundo, disse Cynthia Carey, fisiologista e especialista em anfíbios na Universidade do Colorado em Boulder, que não participou da pesquisa.
     "Os anfíbios deveriam servir como poderoso alerta de que as mudanças ambientais estão acontecendo em ritmo tão acelerado que deveríamos estar no perguntando o que acontecerá em seguida, e onde estaremos em seguida", disse Carey.

Autora: Katy Human (The Denver Post)
Tradução: Paulo Eduardo Migliacci
Fonte: The New York Times - Terra Notícias

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Brasil: 76% querem urgência contra aquecimento

     Uma pesquisa encomendada pelo Serviço Mundial da BBC indicou que 76% dos brasileiros acham que é necessário adotar medidas urgentes para combater o aquecimento global. Ainda segundo o estudo, 63% dos brasileiros entrevistados disseram ser a favor de limitar as emissões nos países em desenvolvimento.
     A pesquisa, realizada pela empresa Globescan, entrevistou mais de 22 mil pessoas em 21 países. A enquete também concluiu que oito em cada dez pessoas ao redor do mundo acreditam que a atividade humana está provocando mudanças climáticas.
     Entre os entrevistados, 79% concordaram que "a atividade humana, incluindo indústrias e transportes, é uma causa significativa das mudanças climáticas".

     Acordo global
     Nove em cada dez participantes disseram que é necessário agir, e dois terços foram além, afirmando que "é necessário tomar medidas importantes e começar logo".
     Segundo a pesquisa, 73% das pessoas manifestaram apoio a um acordo global em que cada país limite suas emissões de gases que causam o efeito estufa e que incluiria os países em desenvolvimento.
     Em troca, os países em desenvolvimento receberiam apoio financeiro e tecnológico das nações ricas. Somente em três dos países pesquisados (Egito, Nigéria e Itália) a maioria dos entrevistados disse que as nações em desenvolvimento não deveriam limitar suas emissões.

     Encontro de líderes
     Os resultados da pesquisa foram divulgados um dia depois de um encontro de líderes e delegados de 150 países, incluindo 80 chefes de Estado, realizado nesta segunda-feira, na sede da ONU em Nova York, para discutir como combater o aquecimento global.
     Segundo o presidente da empresa de pesquisas Globescan, Doug Miller, o impacto das mudanças climáticas pode ser sentido pelas pessoas em seus países, em suas propriedades. "É real para pessoas ao redor do mundo", disse.
     "A força dos resultados (da pesquisa) torna difícil imaginar um momento mais favorável da opinião pública para que os líderes se comprometam em agir (contra as mudanças climáticas)", afirmou Miller.
     Em seu discurso no encontro desta segunda-feira, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que a forma como os governos lidam hoje com as mudanças climáticas definirá o legado que deixarão para as futuras gerações e que a ONU é o melhor fórum para discutir quais ações devem ser tomadas.

     Avanço real
     "Hoje, o tempo das dúvidas acabou. O painel intergovernamental da ONU sobre mudanças climáticas confirmou de forma inequívoca o aquecimento do nosso sistema climático e o associou diretamente a atividades humanas", disse o secretário-geral da ONU.
     "Nosso objetivo não deve ser nada menos do que um real avanço em Bali", salientou, referindo-se ao encontro anual sobre o Tratado do Clima na ilha indonésia, que será realizado em dezembro.
     O presidente americano, George W. Bush, não participou do evento desta segunda-feira. Bush vai realizar seu próprio encontro sobre o tema nas próximas quinta e sexta-feira, quando receberá na Casa Branca representantes de 16 grandes emissores de gases poluentes associados ao aquecimento da Terra.

Fonte: BBC Brasil - Terra Notícias

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segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Estudo comprova que Pai Querê amplificará impacto ao Corredor Ecológico do Rio Uruguai

     O título é esperançoso, mas o conteúdo é assustador e preocupante. Leva a uma profunda reflexão sobre o modelo de licenciamento ambiental e, antes, sobre a estrutura subjacente à prática de Estudos de Impacto Ambiental que se proliferou no Brasil, pautada pela relação de subordinação entre elaboradores e proponentes de projetos. Assim é o documento "Hidrelétrica de Pai Querê: ainda há tempo para impedir mais uma grande tragédia sobre a biodiversidade da Bacia do Uruguai", que ecologistas e pesquisadores do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, da Fundação Gaia e do Núcleo Amigos da Terra encaminharam ao Ministério do Meio Ambiente na semana passada.
     Fruto de um projeto com raízes na ditadura militar, com o intuito de produzir o máximo de energia sem a devida cautela de preservação ambiental, o projeto da usina está previsto para o Rio Pelotas, num aproveitamento de um desnível de 150 metros do rio, em 80 quilômetros de extensão. Vai contribuir para pôr sob água 6,12 mil hectares da Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Patrimônio Mundial classificado pela Unesco, agência das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. Florestas e campos de araucárias da região – entre os municípios de Bom Jesus (RS) e Lages – estão ameaçados também fora do vale do Rio Pelotas. Conforme o documento, 75% dessa vegetação nativa podem desaparecer não apenas devido à usina em si, mas ao avanço das madeireiras e ao corte raso que dá espaço ao monocultivo extensivo de soja. Os campos de cima da Serra, aos poucos, vão sendo invadidos pelo pinus, e a diversidade do verde dá lugar à homogeneidade e à pobreza ecológica.
     Imagens de satélites disponibilizadas pelo Google Earth, mostradas no estudo, permitem visualizar os últimos remanescentes primários da floresta ombrófila mista, também conhecida por mata de araucária, da qual restam menos de 5 % da sua extensão original. A maior parte destas extensões são consideradas áreas de preservação permanente pelo Código Florestal Federal (Lei 4.771/1965).

     Rio ou seqüência de lagos?
     A persistir o processo de construção de novas usinas na região, seguindo o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), a tendência, de acordo com os ecologistas e pesquisadores, é o desaparecimento do Rio Pelotas, o qual se transformaria em uma escada de lagos artificiais, "praticamente colando o muro de uma hidrelétrica na 'rabeira' da inundação da barragem subseqüente". Nos últimos cinco anos, entraram em operação Machadinho, Campos Novos, Foz do Chapecó e Barra Grande, o que trouxe grande impacto à biodiversidade do Corredor Ecológico do Rio Uruguai.
     E a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) do Ministério das Minas e Energia prevê ainda mais nove unidades entre usinas e aproveitamentos hidrelétricos para a bacia do Uruguai até 2015. Com a mudança rápida da paisagem, os registros fotográficos da região, de agora, poderão vir a ser apenas memória em menos de uma década.

     Adeus, bromélias e mamíferos
     Somente em memórias estarão também bromélias e mamíferos típicos daquela área. De acordo com cientistas que estudam a flora da região, "a vazão do rio Uruguai alterou-se de tal forma que a jusante dos barramentos desapareceram as populações de Dyckia brevifolia (bromélia-do-rio), espécie reófita assinalada como ameaçada na Portaria do Ibama nº. 37 de 1992, que ocorria no Parque Estadual do Turvo, em Derrubadas (Brack et al. 1985). O desaparecimento deve-se, ao que tudo indica, pelas cheias mais duradouras quando da abertura das comportas de vertedouros das barragens. A informação da ausência desta planta foi fornecida pelos Drs. João André Jarenkow (UFRGS), Ademir Reis (UFSC) e o falecido Bruno Irgang (UFRGS), sendo tal fato confirmado em 2006", atesta o relatório.
     Com a construção de Pai Querê, vão desparecer espécies como o queixada ou Tayassu pecari, mamífero já desaparecido no restante do Estado. Estarão ameaçados a jaguatirica (Felis pardalis), o puma (Felis concolor), o gato-mourisco (Felis yagouaroundi), os veados (Mazama spp., Ozotocerus beozoarticus), entre outras espécies apontadas por pesquisadores do Departamento de da Zoologia da UFRGS. Entre 228 espécies de avifauna, 27 estão ameaçadas de extinção, entre elas o gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus) e papagaio-charão (Amazona pretrei), segundo pesquisadores do Laboratório de Ornitologia da PUC-RS. Ainda na região, cientistas do Laboratório de Ictiologia do Departamento de Zoologia da UFRGS detectaram a presença de 13 espécies de peixes consideradas novas para a Ciência, as quais, com o empreendimento, estão igualmente em risco.
 
     Falhas no EIA e no RIMA
     Sem esquecer que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) de Pai Querê foram elaborados pela mesma consultoria que "omitiu" 5,7 mil hectares de florestas no EIA e no RIMA de Barra Grande, a avaliação de impacto ambiental realizada para Pai Querê, pela Engevix, tem diversas falhas, denunciam os pesquisadores da UFRGS. "O EIA-RIMA de Pai Querê, submetido ao Ibama, é tecnicamente superficial, inconsistente e contraditório", apontam.
     O estudo da Engevix deixou de fora o urubu-rei (Sarcoramphus papa), "espécie ameaçada, registrada em duas ocasiões em que professores, estudantes da UFRGS e voluntários de ONGs ambientalistas estiveram na área de influência direta do empreendimento", explicam os ecologistas. Além disto, no EIA e no RIMA oficiais, a consultoria apontou a presença de 140 espécies de flora, enquanto que a equipe da UFRGS detectou 250, em apenas cinco dias de trabalhos de campo, e ainda "17 espécies de orquídeas nas matas sujeitas ao alagamento, contra nenhuma citação de espécies de Orquidáceas no EIA da Engevix.
     E mais: "O estudo da empresa não fez referência a várias espécies que constam em listas oficiais de espécies ameaçadas (IUCN, Ibama, Decreto Estadual do RS, n. 42.099/2002). O estudo fitossociológico aponta apenas 22 espécies de árvores, o que é absolutamente inverossímil para os padrões da Floresta Ombrófila Mista, sendo 16 delas identificadas de modo falho: cinco espécies não são identificadas e 11 são identificadas apenas pelo gênero. Ou seja, 70% do levantamento fitossociológico não tem valor técnico", destaca o trabalho da UFRGS.
 
     Tamanho do impacto x licença
     Qual a validade científica dos EIA? Qual a fidedignidade e o compromisso desses estudos com a sustentabilidade ambiental? Estas são também questões colocadas pelos ecologistas e cientistas que analisaram casos como "Barra Grande" e, agora, Pai Querê. Segundo eles, em 2001, a Engevix publicou um documento chamado "Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental" da UHE Pai Querê, no qual considerou como de "pequena magnitude" a "fragmentação e perda dos ecossistemas aquáticos". "A empresa considerou pequeno o impacto sobre o meio aquático, sem nenhum embasamento técnico", denunciam os pesquisadores. Isto acontece porque "as consultoras são contratadas e pagas diretamente pelos empreendedores, a parte mais interessada na emissão das licenças".
 
     Rios escravos
     Os rios brasileiros estão virando patrimônio privado e deles se busca retirar o máximo em energia, sem considerar sua vitalidade inerente, sua condição de sistemas dinâmicos dos quais depende todo um conjunto de fauna e flora. A escravidão, por assim dizer, vem se aplicando também dos rios como suportes da vida.
     "Por que não considerarmos a importância da permanência de 'Reservas Legais' para os rios brasileiros? Com que base equipes consultoras e órgãos governamentais de produção energética podem definir que os rios sejam utilizados em 100% de seu curso? Esses estudos de licenciamento, para que pudessem ser incluídos em um rol de critérios de sustentabilidade, deveriam basear-se em avaliações sérias, não viciadas, dando a possibilidade de licenças para empreendimentos de menor impacto. Aqueles que tivessem grande impacto, como no caso de Pai Querê, deveriam ser impedidos ou ter seus projetos refeitos. Porém, no Brasil os setores energético e econômico não estão acostumados a reavaliações e a impedimentos aos tradicionais pleitos imediatistas de crescimento econômico, muitas vezes a qualquer custo. Neste país, é costume primeiro se fazer o projeto do ponto de vista econômico para muito depois avaliar os seus possíveis prejuízos socioambientais", atesta o documento assinado por ecologistas e cientistas da UFRGS – Paulo Brack , professor do Departamento de Botânica da UFRGS, doutor em Ecologia; Adriano Nygaard Becker, jornalista e fotógrafo, conselheiro do Núcleo Amigos da Terra/Brasil; Cristiano Eidt Rovedder, mestre em Zoologia do Laboratório de Ornitologia da PUC-RS; Eduardo Forneck, doutor em Ecologia; Lucia Schield Ortiz, geóloga, coordenadora do Núcleo Amigos da Terra – Brasil; Renzo Bassanetti, geógrafo e ex-diretor do Parque Nacional dos Aparados da Serra (2003-2006); Vicente Medaglia, filósofo e especialista em Diversidade da Fauna.
 
Fonte: Ambiente JÁ (Cláudia Viegas) - Portal do Meio Ambiente

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sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Destruição ambiental ameaça crescimento

As iniciativas dos países desenvolvidos continuam a ser muito importantes, mas o papel dos grandes países emergentes está crescendo
 
     O rápido crescimento da economia mundial na última década só poderá continuar se a destruição ambiental e as mudanças climáticas forem revertidas. As iniciativas necessárias dos países desenvolvidos continuam a ser muito importantes, mas o papel dos grandes países emergentes, como a China e o Brasil, está crescendo.
     Os países desenvolvidos são os maiores responsáveis pelos elevados níveis de emissão de gases de efeito estufa por pessoa e deveriam, por isso, responder pela maior parte das ações para conservar a energia e proteger o meio ambiente.
     No entanto, os países de renda média já respondem pela metade de todas as emissões no mundo e, seguindo seus próprios interesses nacionais, não querem repetir os erros dos países ricos em seu processo de desenvolvimento.
     O recente crescimento dos países de renda média foi excepcional. Essas 90 nações aumentaram em 4% ao ano a sua renda per capita na última década, duas vezes mais rápido que os países de renda alta, e contribuem com mais de um terço da produção mundial -índice que está em ascensão. Estimulados pela globalização, esses países mais que duplicaram seu volume de negócios e, por meio de políticas de abertura comercial, ajudaram outros a obter ganhos.
     Destes, 50 têm agora acesso aos mercados de capital globais, o dobro de dez anos atrás, e 20 são emissores de títulos com grau de investimento. Com dois quintos das reservas externas internacionais, essas nações impulsionaram os fluxos de capital, inclusive para países de baixa renda.
     Contudo, para manter o seu desempenho, esses países precisam priorizar a conservação do meio ambiente.
     Eles abrigam 60% das reservas de água doce do mundo, 60% das florestas, a maior parte dos recifes de coral e uma valiosa biodiversidade em sua fauna e flora, mas enfrentam uma imensa degradação do ar, das florestas, do solo, da água e dos recursos marinhos que prejudica tanto a economia interna quanto a mundial.
    Na China, na Índia e em outros países, a poluição do ar e da água está afetando gravemente a saúde e a produtividade da população. A degradação do solo e o desmatamento no Brasil, na Indonésia e em todas as regiões do mundo estão contribuindo para o grande aumento de enchentes e furacões, com alto custo para a sociedade.
     Na bacia amazônica, a transformação da floresta em áreas agrícolas e de pastagem pode provocar o aumento da temperatura, prejudicando a agricultura e as pessoas.
     Além disso, a globalização agiliza a propagação desses danos. A crescente demanda por alimentos, fibras e madeira esgotam a pesca, os campos e as florestas, contribuindo para a perda irreversível da biodiversidade global.
     O crescimento impulsionado por uma indústria que consome muita energia, pela concentração urbana e pelo desmatamento aumentou o volume de gás carbônico na atmosfera.
     As mudanças climáticas podem erodir o litoral, provocando secas e enchentes nos países ricos e pobres. O número de desastres naturais -e de vítimas- quadruplicou nos últimos 30 anos. Os danos têm crescido, sendo mais pesados para os pobres, que vivem em geral nas regiões afetadas. As perdas no PIB, resultantes dessas calamidades, extrapolam o custo de sua prevenção.
     Uma ação coletiva pode trazer muitos benefícios. China, Índia, Brasil, Rússia, México, Indonésia e África do Sul -sete entre as 20 maiores economias- podem estabelecer uma agenda comum para o meio ambiente e enfrentar uma parte considerável do problema, mantendo restrito o número de países envolvidos.
    Agências multilaterais, como as Nações Unidas e o Banco Mundial, certamente prestarão assistência a essas iniciativas. Um caminho é evitar o desmatamento.
     O corte de florestas é responsável por um quinto das emissões, ou seja, volume maior que o gerado por todos os meios de transporte. Ao protegerem suas florestas, países como Brasil, Camarões e Indonésia reduzirão as emissões de carbono na atmosfera, possibilitando a criação de novos mercados de permissões de emissão comercializáveis, que os compensarão por promover a conservação.
     A rapidez com que o meio ambiente for priorizado determinará as tendências de crescimento local e global.
     Os países de renda alta precisam assumir a responsabilidade pela grande parte que lhes cabe, mas os países de renda média, que se beneficiam da globalização, também têm um papel a desempenhar, em prol de seus interesses nacionais.
Fonte: Vinod Thomas - Artigo publicado na Folha de SP - Jornal da Ciência

 

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terça-feira, 18 de setembro de 2007

Especialista cobra avanço contra buraco na camada de ozônio

      Um dos cientistas responsáveis pela descoberta do buraco na camada de ozônio afirmou nesta segunda-feira que é preciso avançar mais rapidamente na proteção da película na estratosfera que protege a Terra contra raios ultravioletas danosos.
Buraco na camada de ozônio
Joe Farman é um dos descobridores do buraco na camada de ozônio
 
     Em um artigo para a BBC, Joe Farman fez um apelo por mais rapidez no processo de acabar com a fabricação de produtos químicos que destroem a camada de ozônio, além da destruição dos estoques já existentes.
     Nesta semana, completam-se 20 anos desde a aprovação do Protocolo de Montreal, que impôs restrições ao uso dessas substâncias, depois das descobertas de Farman e outros cientistas na década de 70.
     Os 191 signatários do protocolo se reúnem nesta semana em Montreal, no Canadá, para discutir os avanços conquistados desde 1987 e a antecipação do fim do uso dos HCFCs (hidroclorofluorcarbonos), os principais substitutos dos CFCs.
 
     Críticas
     Muitos desses representantes concordam com as críticas de Farman sobre os acordos que autorizam países em desenvolvimento a continuar a utilizar os HCFCs até 2040.
     "Revisões freqüentes socorreram o Protocolo de Montreal das suas deficiências originais, mas outro reexame é visivelmente necessário", escreveu o cientista no site da BBC.
     O governo brasileiro vai apresentar junto com a Argentina uma proposta para acelerar a redução do consumo de HCFCs.
     De acordo com o programa de meio ambiente da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1995, o Brasil era o quinto maior consumidor de CFCs no mundo, com 10,9 mil toneladas por ano.
     Hoje, o país é o quinto entre os que mais reduziram o uso das substâncias, atrás de China, Estados Unidos, Japão e Rússia.
     Em 2002, o governo brasileiro aprovou o Plano Nacional para a Eliminação dos CFCs (PNE), que previa investimentos de US$ 27 milhões em projetos de eficiência energética, como o de substituição de geladeiras antigas.
 
     Em desenvolvimento
     Os países ricos praticamente eliminaram a produção de CFCs em 1995, o prazo para os países em desenvolvimento vence em 2010.
     Atualmente, essas substâncias continuam a ser usadas por corpos de bombeiros em vários países. Muitas das substâncias, usadas em refrigeração, aerosóis e combate a incêndios podem ser facilmente substituídas por produtos químicos parecidos, como os HCFCs.
     Embora eles causem menos danos à camada de ozônio, a produção dos HCFCs está crescendo rapidamente nos países em desenvolvimento.
     Pelos termos atuais do protocolo, até 2015 o uso de HCFCs nesses países deve ser congelado no máximo aos níveis atingidos até lá. A suspensão do uso dos HCFCs é prevista para 2040.
     A substância também é fortemente associada ao aquecimento global, já que comparativamente os efeitos dos HCFCs são muito mais danosos do que os do dióxido de carbono.
     "Em 2005, a destruição causada pelo HFC23 foi responsável por 64% dos valores de todos os projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (criado no Protocolo de Kyoto para viabilizar investimentos de países ricos em países pobres como alternativa a investimentos muito mais caros nos próprios países ricos) e passou para 51% em 2006", segundo Farman.
     O cientista escreve ainda que atualmente é altamente discutível se o sistema de trocas de carbono, que utiliza este tipo de HCFC, proposto nos moldes Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, realmente leva ao desenvolvimento sustentável.
     Joe Farman foi um dos três pesquisadores britânicos que relataram pela primeira vez os graves danos sofridos pela camada de ozônio sobre a Antártica – o "buraco" revelado em 1985.
 
Fonte: BBC Brasil

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Brasil propõe criação de nova agência na ONU

Em reunião internacional de ministros, Marina Silva e Celso Amorim falam numa organização "guarda-chuva" que coordene o Pnuma e os mecanismos financeiros ambientais da ONU. Definição da agenda global pós-2012, quando terminará a primeira fase de Quioto, é prioridade para as nações.
 
     RIO DE JANEIRO – Se quiserem mesmo levar a sério a luta contra o aquecimento global nos próximos anos, os governos nacionais necessitam iniciar imediatamente as discussões sobre qual caminho deverão seguir a partir do fim de 2012, quando terminará a primeira fase do Protocolo de Quioto. Essa urgência, aliada ao alarme provocado na opinião pública internacional pela divulgação dos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), está movimentando a agenda multilateral com uma série de eventos preparatórios à 13ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-13), que acontecerá em Bali, na Indonésia, em dezembro.
     Ator importante na discussão ambiental global, o Brasil fez sua parte ao organizar nos dias 3 e 4 de setembro, no Rio de Janeiro, uma reunião internacional de ministros para discutir desenvolvimento sustentável e governança ambiental. Autoridades de 22 países foram convidadas pelo governo brasileiro para o evento, que foi coordenado pelos ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Celso Amorim (Relações Internacionais). Na pauta do encontro, a busca por um modelo de governança global que consiga tirar do papel a sonhada transversalidade e possa aliar efetivamente as questões ambientais às outras esferas do desenvolvimento econômico.
     O Brasil obteve sucesso na busca pelo consenso, papel geralmente desempenhado pelo país anfitrião, ao apresentar uma proposta alternativa que talvez possa colocar um ponto final na discussão _ que já começa a ficar velha _ sobre se a ONU deve fortalecer o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) ou criar uma nova organização ambiental multilateral nos moldes da Organização Mundial de Saúde (OMS). A criação dessa organização, que se chamaria Onuma, é defendida pela União Européia, sobretudo pela França, enquanto os países em desenvolvimento preferem a primeira opção.
     Intermediária, a proposta brasileira prevê o fortalecimento do magro orçamento do Pnuma (US$ 115 milhões anuais), mas também fala na criação de uma nova agência da ONU a qual o Pnuma estaria submetido, assim como o Fundo Global para o Meio Ambiente e outros mecanismos financeiros necessários ao efetivo cumprimento dos objetivos ambientais: "Uma das formas de pensar essa nova estrutura seria concebê-la como uma organização do tipo guarda-chuva, com responsabilidades nas dimensões normativa, de cooperação e de financiamento. Uma nova organização que potencialize e coordene a ação das órgãos já existentes", disse Celso Amorim.
     A proposta do Brasil foi bem recebida pelos demais governos, e será levada novamente à discussão na abertura da Assembléia Geral da ONU, que acontecerá na última semana de setembro em Nova York, nos Estados Unidos. A ministra Marina Silva festejou "a simpatia" com que foi acolhida a tentativa brasileira de produzir uma proposta de consenso: "Não tenho dúvida de que temos uma grande contribuição a dar nessa discussão. O Brasil apresentou a idéia dessa organização, ou agência, desde que sejam preservadas as outras estruturas e, ao mesmo tempo, coordenadas as convenções e os secretariados", disse.
 
     FBOMS envia carta a ministros
     Durante a reunião do Rio de Janeiro, foi entregue às autoridades nacionais e internacionais uma carta produzida pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS). No documento, as organizações do movimento socioambientalista lembram o Painel de Discussão criado no ano passado pela ONU para "avaliar as melhores formas de se trabalhar a questão ambiental de maneira transversal" e recomendam aos ministros "incrementar a autoridade do Pnuma como pilar ambiental do sistema das Nações Unidas".
     O documento do FBOMS propõe ainda "racionalizar os recursos utilizados no sistema ONU, através de unificação de secretariados, agrupamento de acordos ambientais afins, missões conjuntas e realização de conferências simultâneas de acordos e convenções que tratam de temas afins, para maior eficiência e sinergia no cumprimento de acordos multilaterais ambientais". Também foi destacada no documento "a necessidade de vincular a discussão sobre a reforma da ONU a uma discussão mais ampla que inclui a necessidade de alteração dos padrões de consumo".
 
     Mudanças climáticas
     Numa reunião organizada pela ONU e realizada em Viena, na Áustria, durante a última semana de agosto, os governantes dos países ricos e dos países ditos em desenvolvimento tentaram avançar na negociação das bases para a discussão de um acordo pós-2012 a ser travada já a partir da COP-13 em Bali. O principal entrave para isso continua sendo a recusa dos países emergentes em assumir metas obrigatórias de redução de suas emissões de gases provocadores do efeito estufa.
     Este grupo, que tem a liderança de Brasil, China e Índia, evoca o princípio das "obrigações comuns, porém diferenciadas" que norteou a criação do Protocolo de Quioto há dez anos para exigir que os países mais industrializados arquem com sua responsabilidade histórica pelo aquecimento global. Os países ricos, por sua vez, fazem crescer a pressão sobre os emergentes e afirmam que, sem um esforço conjunto materializado em metas obrigatórias de redução das emissões, será impossível deter as mudanças climáticas em curso.
    A reunião de Viena não fez avançar muito esse impasse, mas ao menos os diversos grupos de países aceitaram discutir possíveis concessões de lado a lado novamente na COP-13. Para não terminarem a rodada de discussões austríaca sem nada para mostrar, os países mais industrializados anunciaram ao final do encontro a intenção de reduzir suas emissões entre 20% e 40% até 2020. Essa decisão veio na esteira da proposta apresentada durante a reunião do G-8 em junho, quando os ricos falaram em reduzir 50% das emissões até 2050. Ambas as decisões, no entanto, não têm caráter obrigatório, o que as coloca, ao menos por enquanto, no vasto balaio internacional de manifestos de boas-intenções ambientais.
Autor: Maurício Thuswohl - Carta Maior

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Novos alertas sobre os efeitos do aquecimento global

Organismos internacionais e cientistas lançam novas advertências sobre as ameaças do aquecimento do planeta. Segundo a FAO, segurança alimentar está ameaçada. Ecologistas espanhóis dizem que 200 milhões de pessoas podem virar refugiados ambientais. Na Inglaterra, cientistas dizem que mundo deve ultrapassar o limite considerado perigoso.
 
 
     A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) alertou, segunda-feira, que o aquecimento global pode representar uma séria ameaça para a segurança alimentar mundial. Segundo o subdiretor-geral da FAO, Alexander Muller, as mudanças climáticas cada vez mais visíveis no planeta estão se transformando em um dos grandes desafios que humanidade enfrentará nos próximos anos, devido a seu impacto na produção, distribuição e acesso aos alimentos.
     A agricultura é hoje, destacou Muller, o setor mais afetado pelas mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global, exigindo políticas imediatas para assegurar a segurança alimentar da população do planeta. A situação de risco é mais grave nos países em desenvolvimento que possuem menor volume de recursos par enfrentar os danos decorrentes deste fenômeno.
     As variações climáticas extremas, exemplificou, podem colocar em risco a produção de arroz, alimento básico de mais da metade da população do planeta. O funcionário da FAO defendeu medidas como a introdução de novas variedades melhoradas deste cereal, com maior tolerância à salinidade. Além disso, propôs uma rápida transição para um maior uso de biocombustíveis, levando em conta a segurança alimentar e a preservação ambiental.
     Mas a agricultura, acrescentou, é ao mesmo tempo vítima e culpada pelo que está acontecendo com o clima. A produção de arroz, assinalou, é hoje uma das principais fontes de gases causadores do efeito estufa. A pecuária, por sua vez, é responsável por 18% das emissões de gases do efeito estufa em nível mundial, enquanto que o desmatamento responde por 18% das emissões de dióxido de carbono. Para reverter esse quadro, Muller defendeu a mudança na gestão da pecuária e das práticas agrícolas e florestais, com a adoção de práticas de conservação que ajudem a manter grandes quantidades de carbono no solo.
 
     Refugiados ambientais
     Outro alerta sobre os efeitos do aquecimento global foi feito, sexta-feira, pela organização espanhola Ecologistas em Ação. Segundo a organização, nos próximos 30 anos, as mudanças no clima farão com que cerca de 200 milhões de pessoas sejam forçadas a deixar o local onde vivem. Até 2020, os processos de desertificação expulsarão de suas casas cerca de 135 milhões pessoas. O alerta foi feito pela entidade durante um evento paralelo à Cúpula contra a Desertificação, realizada m Madri.
     Esses efeitos, defendeu a Ecologistas em Ação, exigirão uma revisão urgente do conceito jurídico de refugiado, adequando-o a essas novas realidades sociais. Entre essas revisões, está a regulamentação da categoria do "refugiado ambiental", necessária para garantir um mínimo de proteção jurídica às pessoas obrigadas a deixar seus lares em função de questões ambientais.
     A Organização das Nações Unidas (ONU) define hoje como refugiados somente aquelas pessoas que são forçadas a deixar suas casas por causa de distúrbios políticos ou sociais. Mas o debate sobre a necessidade de ampliar esse conceito está aberto. A ONU reconhece que cada vez mais pessoas estão sendo deslocadas por problemas ambientais, como a desertificação, o esgotamento do solo, enchentes e outros tipos de desastres naturais.
     Os ecologistas espanhóis criticaram os países que estão adotando políticas cada vez mais restritivas contra a migração e acusaram tais políticas de violar sistematicamente os direitos humanos e o Estatuto dos Refugiados, da Convenção de Genebra. Além disso, defenderam que governos e empresas dos países ricos devem parar com a exploração indiscriminada de recursos naturais dos países pobres, o que só vem agravando os problemas ambientais.
Aproximando-se do limite
     O noticiário sobre os efeitos do aquecimento global renova, praticamente todos os dias, as advertências sobre as ameaças que pairam sobre todo o planeta. Nesta terça-feira, uma matéria da agência Reuters apresenta a conclusão de um grupo de cientistas britânicos, após uma pesquisa que durou cinco anos: o mundo provavelmente vai ultrapassar o limite de aquecimento global que a União Européia considera perigoso.
     Em março deste ano, líderes da União Européia reiteram a importância de limitar o aquecimento global médio a 2°C acima dos níveis pré-industriais. Com base neste limite, a UE propôs novas metas para a redução das emissões de gases do efeito estufa. Mas, na comunidade científica, há um clima de pessimismo tanto em relação ao limite proposto quanto às novas metas propostas pelas lideranças dos principais governos europeus.
     O MetOffice, órgão meteorológico do governo britânico e responsável pela nova pesquisa duvida que essas metas sejam atingidas. Segundo Vicky Pope, gerente do programa de pesquisas sobre mudanças climáticas do Hadley Center, disse que "já está bem aceito que a meta de 2°C será superada". A própria meta já é problemática. Os cientistas acreditam que o aquecimento de dois graus já será suficiente para iniciar o degelo das calotas polares, com conseqüências graves e irreversíveis.
     No último século, a temperatura média do planeta subiu cerca de 0,7°C. Os cientistas acreditam que uma nova elevação de 0,6° C é inevitável, já que os oceanos estão absorvendo aquecimento mais rápido das terras emersas. Caso, os atuais níveis de emissão de gases não caírem nos próximos anos, esse número deve subir, aproximando-se perigosamente da casa dos dois graus. O derretimento da calota polar da Groenlândia, em uma velocidade maior do que a prevista, é um sinal de que essa é a tendência mais forte hoje. Enquanto isso, as lideranças dos países mais ricos do mundo seguem empurrando com a barriga um problema que não cessa de lançar sinais de alerta.
Autor: Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior

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A mãe de todas as biopiratarias

Em 1877, 70 mil sementes de seringueira deixaram o Pará
 
     Ao participar na Unicamp de um debate sobre promessas da biotecnologia e da biodiversidade, em 22 de agosto, afirmei que a paranóia da biopirataria no Brasil ainda era assombrada pelo caso de "furto" ou "roubo" da borracha por ingleses no século 19. Mal sabia eu.
    Foi o início de uma esclarecedora troca de e-mails com a botânica Maria do Carmo Estanislau do Amaral, da Unicamp. Ela presenciara o debate e discordou da caracterização de biopirataria para o embarque de 70 mil sementes de Hevea brasiliensis por Henry Alexander Wickham, em 1877, do porto de Santarém (PA).
     O argumento era simples: não havia impedimento legal, na época, para a transferência das sementes. Ora, se não havia sido proibida, sua saída tampouco fora oficialmente autorizada, e implicara prejuízo para o país. O caso ainda se qualificaria como a mãe de todas as biopiratarias, em sentido mais amplo.
     Após o início do cultivo da H. brasiliensis no Sudeste Asiático, nas primeiras décadas do século 20, o preço da borracha no mercado internacional caiu de US$ 6 por quilo para US$ 0,08.
     Os barões da borracha que assistiam a óperas em Manaus foram à bancarrota. A vida dos seringueiros continuou na mesma miséria.
Amaral contra-argumentou que o mero prejuízo não caracteriza biopirataria nem sustenta expectativa de reparação por direitos desrespeitados.
Caso contrário, o Brasil teria de pagar pela cana-de-açúcar da Índia, pela soja da China e pelo café da Etiópia.
     "O Brasil detinha o monopólio da borracha, mas jamais teria como suprir a demanda internacional por borracha na época", ponderou a botânica.
     "A planta não era cultivada racionalmente e as tentativas de cultivo não deram certo. As plantas em monocultura na Amazônia são atacadas por um fungo e não resistem."
     Intrigado com a longevidade do que já se patenteava como mito infundado, voltei às páginas do livro onde duas décadas antes lera a saga de Wickham: "Os Invasores do Amazonas" (1986), de John Ure, um historiador que havia servido como embaixador inglês no Brasil. Sua narrativa corrobora que, de fato, não houve furto. Já a hipótese de contrabando...
     Segundo Ure, Wickham desincumbiu-se com eficiência da tarefa que lhe fora encomendada por Kew Gardens, o jardim botânico da realeza britânica.
Coletou as 70 mil sementes sem chamar muita atenção de ninguém e deu sorte de um vapor rápido da recém-criada linha Liverpool-Manaus -o S.S. Amazonas- ficar sem carga para a viagem de retorno. Fretou a embarcação para levar a carga vegetal direto para a Inglaterra.
     As sementes poderiam deteriorar-se no percurso e não germinar, uma vez em Kew. Wickham não podia correr o risco de levantar suspeitas na alfândega de Belém e ser retido semanas a fio, à espera de autorizações vindas do Rio de Janeiro.
     Wickham lançou mão de uma meia-verdade para obter uma liberação expedita. Ainda de acordo com Ure, disse ao chefe da alfândega que a carga continha uma coleção de "espécimes botânicos particularmente delicados que deveriam ser entregues aos próprios jardins reais de Sua Majestade Britânica em Kew".
     Hoje os maiores produtores de borracha natural são Indonésia e Tailândia. O Brasil importa 160 mil das 250 mil toneladas que consome, ao custo de uns US$ 100 milhões anuais. Em compensação, é um dos maiores exportadores de álcool, açúcar e soja.
     China e Índia têm mais o que fazer e não perdem tempo com os fantasmas do passado.
Autor: Marcelo Leite - Folha de SP - Jornal da Ciência

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segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Dois pesos, duas medidas

     A análise mais interessante feita durante o lançamento do "Vital Signs" veio do diretor do projeto, Erik Assadourian. Segundo Assadourian, as ações de diversos países só comprovam que o aquecimento global já está entre nós. Várias nações começaram a se preparar para tirar proveito do derretimento do gelo no Ártico, causado pelo aquecimento do planeta.
 
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos previram que até 2040 praticamente não haverá mais gelo no Ártico, abrindo caminho para a exploração de riquezas na região, como petróleo, gás natural e minerais.
 
 
 
* O Canadá já anunciou a construção de um porto em uma região do Ártico chamada Passagem do Noroeste, constantemente congelada, mas que pode derreter com as mudanças climáticas e ligar o oceano Pacífico ao Atlântico
* A Rússia tratou de fincar sua bandeira no fundo do oceano, bem abaixo do Pólo Norte, alegando que a cadeia submarina de Lomonosv é extensão do território russo. Assim, a Rússia garantiria o direito de explorar as riqueza do Oceano Ártico com o derretimento do gelo
* Os Estados Unidos anunciaram a intenção de construir dois novos navios polares para exploração do Ártico.
     Porém, quando o assunto é assumir responsabilidade pelas mudanças climáticas e cortar emissões, os governos continuam se fazendo de desentendidos. O WorldWatch recomenda que Estados Unidos e Europa reconheçam sua parcela de culpa nas emissões de gases causadores do efeito estufa e concordem em reduzir em 80% suas emissões até 2050. Tal acordo parece distante de acontecer: o governo dos Estados Unidos ainda mal reconheceu que o aquecimento global existe e a União Européia afirma que só adotará metas mais severas se os americanos fizerem o mesmo. Enquanto isso, os 158 países que integram a Convenção do Clima apenas reconheceram que seria recomendável diminuir as emissões entre 20% e 40% até 2020. Mas ainda não disseram como nem quando começar. E continua o jogo de empurra-empurra sobre de quem é a responsabilidade histórica do aquecimento global.
     Moral da história: os governos continuam batendo o pé sobre a suposta contribuição de seu país para o aquecimento global, mas não perdem tempo em reconhecer os efeitos da mudança climática se isso trouxer benefícios para a economia. Eles poderiam mostrar a mesma agilidade e disposição para discutir regras mais severas para o mercado de carbono e um sistema para criação de um imposto sobre as emissões de carbono.
 
Autora: Marcela Buscato - Blog do Planeta

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Degelo leva à abertura de rota marítima no Ártico

Imagens capturadas por satélite mostram nova passagem entre Europa e Ásia. Degelo alcançou níveis recordes desde 1978.
 
     O degelo causado pelo aquecimento climático tornou navegável pela primeira vez a chamada rota do noroeste, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico através do Pólo Norte, segundo observações feitas pelos satélites da Agência Espacial Européia (ESA).
 
Aquecimento das geleiras no Pólo Norte
Nova rota marítima.
 
     As observações espaciais da massa polar, iniciadas há quase 30 anos, nunca tinham registrado que a rota do noroeste - até então congelada - estivesse aberta para a navegação.
     As imagens enviadas pelo satélite Envisat da ESA permitiram agora constatar que a redução da massa de gelo no Pólo Norte, ligada ao aquecimento climático, já torna essa passagem navegável.
      Os analistas da ESA destacam a rapidez do degelo nos últimos dez anos e lembram que os especialistas da ONU em mudança climática previram que, pelo ritmo atual, o gelo do oceano Ártico se derreteria completamente até 2070.
     A observação espacial também permitiu detectar que a rota do nordeste, que margeia a costa da Sibéria, ainda está bloqueada, mas com uma massa de gelo muito inferior à de anos anteriores.
     Diante da evolução do degelo, os especialistas acreditam que a passagem do nordeste poderá se abrir antes do calculado inicialmente.
Até agora, a menor massa de gelo do Pólo Norte tinha sido registrada em 2005, mas então não tinha sido observada a abertura da passagem do noroeste.
     Desde 1978, a ESA observa a massa de gelo dos pólos, difícil de calcular sobre a superfície da Terra, mas possível graças às imagens enviadas pelos satélites.
     Em 2009, a agência européia lançará o CryoSat-2, destinado à observação da criosfera, parte da crosta terrestre na qual se forma o gelo.
 
Foto: AFP
Imagens de satélite feitas do Oceano Ártico no início de setembro de 2007 mostra a abertura de uma nova rota pela passagem noroeste (linha laranja) e a passagem nordeste (linha azul), apenas parcialmente bloqueada. O cinza escuro representa as áreas em que não há gelo, enquanto a cor verde indica áreas onde há presença de gelo (Foto: AFP)
 
Fonte: EFE - G1

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O caminho para Samarra

     Um soldado da antiga Bassora, na Mesopotânia, cheio de medo, foi ao rei e lhe disse:"Meu Senhor, salva-me, ajuda-me a fugir daqui; estava na praça do mercado e encontrei a Morte vestida toda de preto que me mirou com um olhar mortal; empresta-me seu cavalo real para que possa correr depressa para Samarra que fica longe daqui; temo por minha vida se ficar na cidade". O rei fez-lhe a vontade. Mais tarde o rei encontrou a Morte na rua e lhe disse:" O meu soldado estava apavorado; contou-me que te encontrou e que  tu o olhavas de forma estranhíssima". "Oh não", respondeu a Morte, "o meu olhar era apenas de estupefação, pois me perguntava como esse homem iria chegar a Samarra que fica tão longe daqui, porque o esperava esta noite lá".
     Essa estória é uma parábola da aceleração do crescimento feito à custa da devastação da natureza e da exclusão das grandes maiorias. Ele nos está levando para Samarra. Em outras palavras: temos poquíssimo tempo à disposição para entender o caos no sistema-Terra e tomar as medidas necessárias antes que ela desencadeie consequências irreversíveis. Já sabemos que não podemos mais evitar o aquecimento global, apenas impedir que seja catastrófico. A nivel dos governos, não se está fazendo nada de realmente significativo que responda à gravidade do desafio. Muitos crêem na capacidade mágica da tecno-ciência: no momento decisivo ela seria capaz de sustar os efeitos destrutivos. Mas a coisa não é bem assim. Há danos que uma vez ocorridos produzem um efeito-avalanche.
     A natureza no campo físico-químico e mesmo as doenças humanas nos servem de exemplo. Uma vez  desencadeada, não se pode mais bloquear uma esplosão nuclear. Rompidos os diques de Nova Orleães nos USA, não é mais possível frear a invasão do mar. Na maioria das doenças humanas ocorre a mesma lógica. O abuso de alcool e de fumo, o excesso na alimentação e a vida sedentária começam a princípio prudizindo efeitos sem maior signficação. Mas o organismo lentamente vai acumulando modificações, primeiramente funcionais, depois orgânicas e, por fim, atingindo certo patamar, surge uma doença não mais reversível.
     É o que está ocorrendo com a Terra. A "colonia" humana em relação ao organismo-Terra está se comportando como um grupo de células que, num dado momento, começa a se replicar caoticamente, a invadir os tecidos circundantes, a produzir substâncias tóxicas que acaba por envenenar todo o organismo. Nós fizemos isso, ocupando 83% do planeta.
O sistema econômico e produtivo se desenvolveu já há três séculos sem tomar em conta sua compatibilidade com o sistema ecológico. Hoje nos damos conta de que ecologia e  modo industrialista de produção que implica o saque desertificante da natureza são contraditórios. Ou mudamos ou chegaremos à a Samarra, onde nos espera algo sinistro.
    A Terra como um todo é a fronteira. Ela coloca em crise os atuais modos de produção que sacrificam o capital natural e as formações sociais construidas sobre o consumismo, o desperdício, o mau trato dos rejeitos e a exclusão social.
    Três problemas básicos nos afligem: a alimentação que inclui a água potável, as fontes de energia e a superpopulação. Para cada um destes problemas não temos soluções globais à vista. E o tempo do relógio corrre contra nós. Agora é o momento de crise coletiva que nos obriga a pensar,  a madurar e a tomar decisões de vida ou de morte.

Autor: Leonardo Boff - Portal do Meio Ambiente

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domingo, 16 de setembro de 2007

Cientistas querem 'código de barras' genétic o?=

Novidade poderá, no futuro, combater o comércio ilegal de madeira e alimentos.
Além disso, também diminuir a incidência de choques de pássaros em aeronaves.
 
     Novos testes genéticos podem ajudar a reprimir o comércio ilegal de alimentos ou madeira, combater a malária e até dar pistas sobre como impedir que os pássaros se choquem com aviões no ar, disseram cientistas na sexta-feira (14).
     Especialistas já identificaram "códigos de barra" de DNA em mais de 31 mil espécies de animais e plantas, mais que o dobro do número disponível em 2005.
     "Estamos criando um banco de referências de espécies", disse David Schindel, do Instituto Smithsonian, que também é secretário-executivo do Consórcio para o Código de Barras da Vida. Cerca de 350 especialistas no assunto vão se reunir entre 18 e 20 de setembro em Taipé.
     Uma pequena amostra de material genético, como a escama de um peixe ou um pouco de serragem, pode ajudar a identificar uma espécie pelo "código de barra" específico a cada espécie, num processo que leva poucas horas em laboratório e custa cerca de US$ 2.
     Os especialistas estão trabalhando com agências reguladoras como o FDA (órgão que regulamenta as drogas e os alimentos nos Estados Unidos) para buscar aplicações para o banco de dados, como no combate a importações ilegais, no extermínio de mosquitos ou na compreensão de rotas migratórias de pássaros.
     O código de barra pode ajudar, por exemplo, a identificar um verme num carregamento de bananas e definir se se trata de um animal inofensivo adquirido no porto de entrada ou de uma espécie mais perigosa, importada de fora.
     Os cientistas querem identificar 500 mil espécies nos próximos anos. Por enquanto os bancos de dados estão longe de estar completos. Possuem apenas cerca de 20% das 10 mil espécies de pássaros e 10% do número estimado de peixes de água doce e salgada -- 35 mil espécies.
     Os pesquisadores perceberam que é mais difícil obter os códigos de barra de plantas que de animais.
Fonte: Alister Doyle - Reuters/G1

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sexta-feira, 14 de setembro de 2007

África: O lago Chade secou

     A última edição do mapa mundial Comprehensive atlas of the world , feita na Grã-Bretanha e divulgada na quarta-feira 5, traz uma imagem chocante: o famoso Lago Chade, no continente africano, está hoje 95% menor em relação ao seu tamanho há 40 anos. Ele chegou a cobrir uma área de 345 mil quilômetros quadrados (equivalente a três Islândias) e atualmente a sua área total não é maior que 303 quilômetros quadrados. Isso fica claro na última imagem feita por satélites, datada de 2005, mas que só agora se torna pública. A ação do homem e o aquecimento global têm provocado o avanço do deserto na região subsaariana. "Os desastres ambientais vão literalmente se revelando diante dos nossos olhos", diz Mick Ashworth, editor-chefe do atlas.
 
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Ele já mediu 345 mil quilômetros quadrados, o equivalente a três Islândias. Perto disso, hoje é uma poça d'água

     A lista de tragédias ambientais é extensa. O maior rio ao norte da China, o também famoso rio Amarelo (Huang Ho), está mais seco e corre o risco de já não conseguir desaguar no mar – o que causaria drásticas transformações na costa chinesa. Nos EUA, outros dois importantes rios, o Grande e o Colorado, estão perdendo os seus afluentes devido às prolongadas secas de verão. E o Mar Morto, em Israel, vive o seu pior momento dos últimos 50 anos – está 25 metros mais raso e continua encolhendo.
     Esse atlas (editado pelo The Time) foi publicado pela primeira vez em 1895. De 2003 (ano de sua última edição) para cá, passou por mais de 20 mil atualizações – nunca sofrera tantas mudanças e isso é um recorde mundial, uma vez que outra conceituada publicação, a americana National Geographic, recebeu 17 mil atualizações em sua mais recente tiragem. "O mundo está mudando mais rapidamente em comparação a décadas atrás", diz Allen Carroll, cartógrafo da National Geographic. Em meio a tantas transformações ruins quando se trata de ambiente, o mapa do The Time traz pelo menos uma notícia alvissareira: o pântano da Mesopotâmia (Iraque) que fora reduzido a sua décima parte devido às drenagens ordenadas pelo ditador Saddam Hussein está sendo recuperado. Localizado na confluência dos rios Tigre e Eufrates e considerado o maior do mundo, ele teve cerca de 40% de sua extensão refeita depois que os rios que o abastecem voltaram ao curso natural.
 
Autora: Natália Rangel - Isto É - Portal do Meio Ambiente
Disponível em: http://www.portaldomeioambiente.org.br/news//not1.php?id=665
 

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terça-feira, 11 de setembro de 2007

Plástico amigo do meio ambiente

Material desenvolvido a partir de garrafas PET usadas se decompõe em 45 dias
 
     O lixo urbano é um problema para as grandes cidades, agravado pelo aumento do uso de embalagens descartáveis. Para tentar reduzir o descarte inadequado e incentivar a reciclagem de garrafas de plástico do tipo PET (politereftalato de etila) usadas, que levam até 500 anos para se decompor na natureza, a Universidade da Região de Joinville (Univille), em Santa Catarina, e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) desenvolveram, a partir desse material, um plástico que se degrada no solo em 45 dias.
 
As garrafas de plástico do tipo PET descartadas na natureza levam até 500 anos para se decompor.
 
     Para desenvolver o novo plástico, os pesquisadores adotaram o método da reciclagem química, em que as garrafas são lavadas, esterilizadas, cortadas e colocadas em um reator. Nesse aparelho, a garrafa PET original se une a um polímero biodegradável. Esse composto, ao contrário dos obtidos a partir do petróleo, como o PET, tem decomposição mais rápida. "Polímeros como o PET são formados por anéis aromáticos difíceis de serem quebrados durante a decomposição. Já os polímeros biodegradáveis são compostos por cadeias abertas, ou seja, não têm esses anéis, o que facilita o processo", explica a coordenadora da pesquisa na Univille, a química Ana Paula Pezzin. "Assim, nasce um copolímero de fácil degradação, que em apenas 45 dias alcança estado bastante acelerado de decomposição."
     A equipe avaliou as propriedades e a capacidade de degradação de diversas composições do material. Vários percentuais de quatro polímeros biodegradáveis diferentes foram adicionados ao PET pós-consumo. O tempo máximo de decomposição foi de sete meses – muito pouco se comparado às centenas de anos do PET tradicional. Realizada inicialmente pela química Sandra Einloft, da PUC-RS, a pesquisa conta com o apoio da Universidade Pierre e Marie Curie, da França.
     Segundo Pezzin, o desenvolvimento desses copolímeros é um marco no Brasil, já que o país é um dos campeões em reciclagem de garrafas PET. Dados da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet) mostram que, em 2005, quase metade das embalagens usadas no Brasil passava por processos de reciclagem.
     No entanto, o material reciclado não pode voltar a ser usado para embalar alimentos ou bebidas. "Isso jamais seria aprovado", diz Pezzin. "As pessoas não aceitariam colocar na boca algo que já esteve no lixo." O material biodegradável pode ser empregado na confecção de embalagens para produtos de beleza, interruptores e materiais de decoração ou qualquer outro produto que seja rapidamente descartado.
 
Garrafas PET.
 
     Os custos para produzir o polímero biodegradável ainda são maiores que os do PET tradicional, mas a pesquisadora alerta para a importância do produto. "Precisamos de alternativas aos materiais derivados de petróleo, já que um dia esse recurso vai se esgotar", argumenta Pezzin. "Além disso, apesar das excelentes propriedades do PET, sua presença em aterros sanitários atrapalha a decomposição de outros materiais, pois dificulta a circulação de líquidos e gases que agem sobre o lixo orgânico." Algumas empresas atentas a esses fatos já demonstram interesse em desenvolver novos materiais a partir dessa tecnologia e as negociações seguem em sigilo.

Autora/Fonte: Fernanda Alves - Ciência Hoje On-line

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Porcelana de osso bovino

Nova substância para implantes é mais resistente e barata
 
     Fórmula inovadora de porcelana feita com cinzas de ossos promete substituir o material convencional utilizado em implantes ósseos e odontológicos. A nova porcelana, desenvolvida com matérias-primas totalmente brasileiras, é mais branca, leve e resistente que a regular, além de apresentar maior grau de compatibilidade biológica. Composto de 50% de cinzas de ossos bovinos, 20% de caulim (minério branco usado em cerâmica para fins plásticos) e 30% de feldspato, o material foi resultado da pesquisa do físico Ricardo Miyahara, em tese de doutorado para a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).


Objetos feitos com a porcelana de ossos bovinos nacional.
(Fotos: Ricardo Miyahara)

     A porcelana comum resulta de um processo cerâmico triaxial, ou seja, é formada por três elementos: argila, feldspato e quartzo. A argila, fundamental para a produção de cerâmica, combina-se com o feldspato, que é transformado em vidro quando submetido a altas temperaturas e tem a propriedade de reduzir o ponto de fusão do quartzo quando misturado a ele, além de dar mais resistência ao material.
     Já a porcelana desenvolvida por Miyahara retoma a técnica surgida na Inglaterra no século 18, que utiliza cinzas de ossos e caulim acrescidos de cornish stone , minério da família do feldspato detentor de propriedades adesivas. "Devido à elevada proporção de ossos, o custo é alto para a obtenção das cinzas de ossos, mas a porcelana resulta mais alva e resistente", diz o físico. A diferença entre a tradicional fórmula inglesa e a porcelana brasileira é a maneira de produção. Substituindo o cornish stone pelo feldspato nacional, o pesquisador chegou a uma nova proporção que se funde à temperatura de 1.270°C, em comparação com os 1.400°C necessários para a queima da porcelana comum.
     "Essa redução da temperatura de queima representa um menor gasto na produção do material, uma vez que o processo de queima pode chegar a 40% do custo do produto. A porcelana adquire maior valor agregado por ser um produto de excelente qualidade, chegando a ser quase duas vezes mais resistente que a comum e mais branca que a porcelana de ossos inglesa", esclarece Miyahara.
 

Ossos bovinos após o tratamento para obter a cinza, que, misturada ao caulim e ao feldspato, é utilizada para a fabricação da porcelana. 
 
     Biocompatibilidade
     O novo composto, quando aplicado em material cirúrgico, como implantes ósseos e odontológicos, apresenta uma vantagem adicional. As cinzas de ossos utilizadas na fórmula contribuem para a pouca rejeição corporal ao objeto inserido, devido à presença da hidroxiapatita, minério encontrado na natureza e, portanto, biocompatível. Esse potencial para bioimplantes solucionaria a rejeição a materiais como a platina, atualmente aplicada na fixação de dentes e em implantes ortopédicos.
     De acordo com Miyahara, a descoberta tem grandes chances de conquistar o mercado de implantes. O estudo está em fase de testes finais para que possa ser encaminhado para avaliação industrial, quando será analisada a viabilidade de produção da porcelana de ossos em larga escala. A possibilidade de o Brasil produzi-la, deixando de importar o produto da Inglaterra, China e Estados Unidos, únicos países produtores expressivos de porcelana, significaria um nicho de mercado promissor. "Como o Brasil é um dos maiores criadores de gado bovino do mundo e tem grande tradição na fabricação de produtos cerâmicos, temos condições de produzir essa porcelana em grande quantidade, podendo até nos tornar um grande exportador do material", conclui Miyahara.

Autora/Fonte: Fabíola Bezerra - Ciência Hoje

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Novo surto de ebola mata pelo menos 116 no Congo

     Pelo menos 116 pessoas morreram na província congolesa de Kasai Ocidental devido a uma epidemia do vírus ebola, segundo o Ministério da Saúde do Congo, com a Organização Mundial da Saúde (OMS) informando hoje que tem registradas cinco mortes pela doença na região do país africano.
 
Vírus Ebola.
 

Modo de infestação.
 
Congo, área do novo surto.
 
O surto está localizado nas cidades de Mweka e Luebo, na província de Kasai Ocidental. O ministro congolês da Saúde, Victor Makwenge Kaput, disse que os 116 falecimentos, de um total de 289 infectados, ocorreram entre 1º de maio e 1º de setembro de 2007.
As autoridades pediram à população que mantenha a calma e informaram que equipes foram destacadas para o local. "Pedimos à OMS que nos apóie na coordenação de respostas", disse Kaput.
O vírus do ebola foi identificado pela primeira vez em 1976 no norte da República Democrática do Congo, perto de um afluente do rio Congo chamado Ebola e que deu nome à doença.
O ebola provoca uma febre hemorrágica altamente contagiosa, transmitida por líquidos corporais como suor, sangue, saliva, urina e vômitos. Existem várias cepas da doença, e a mais mortífera é a chamada Ebola-Zaire, que se localiza no Congo e que provoca a morte de 90% dos infectados, pois não tem cura nem tratamento.
 
Sintomas cutâneos.

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Especialistas em gripe aviária debatem pandemi a?=

     Especialistas em gripe aviária e representantes das Nações Unidas e de vários Governos se reuniram hoje na ilha indonésia de Bali para discutir a prevenção da doença e do contágio entre pessoas, que poderia transformar a doença numa pandemia.
 
Extermínio de aves em áreas afetadas.

     A reunião do governo da Indonésia com os principais parceiros em gripe aviária e preparação para a pandemia vai até amanhã, com a participação do ministro de Coordenação de Bem-estar Social da Indonésia, Aburizal Bakrie, e do coordenador das Nações Unidas para a Gripe Aviária, David Nabarro.
     Os participantes vão analisar a evolução da doença na Indonésia, o país com maior número de contágios e mortos, além de determinar as prioridades estratégicas, as campanhas de informação para o próximo ano e o financiamento dos programas de controle.
     Desde que reapareceu, no final de 2003, a doença matou 85 pessoas na Indonésia e cerca de 200 vítimas no mundo todo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A epizootia é endêmica nas ilhas de Java, Sumatra e Bali, e na região das Célebes, no sul do país.
 

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segunda-feira, 10 de setembro de 2007

As alternativas energéticas ameaçam o futuro

     Pertence aos que se dedicam ao pensamento, refletir sobre os destinos da sociedade em que vivem e, ousadamente, também os destinos do planeta e da humanidade. Digo isso a propósito do novo estado da Terra produzido pelo aquecimento global, à esta altura irrefreável. A grande maioria não se dá conta das consequências que advirão de tal verificação empiricamente comprovada.
    A primeira constatação que importa fazer é: o aquecimento precisa ser qualificado. Não basta dizer que é andrópico, vale dizer, produzido pelo ser humano. Que ser humano? Pelos índios, pelos esquimós? Precisamos dizer com todas as letras: o aquecimento foi produzido por aquela porção de homens que introduziram a produção industrial já há três séculos, aceleraram o consumo energético, inventaram a tecno-ciência que agride ecossistemas (ecologia ambiental), indutora de uma perversa desigualdade social (ecologia social) e devastadora do planeta como um todo (ecologia integral) e projetaram a cultura do consumo ilimitado (ecologia mental). Hoje são corporações industriais globalizadas, gigantes da bioquímica e do agro-negócio e instituições afins. São eles que mais poluem (só os USA 25%) e que mais resistem às mudanças paradigmáticas. Se eles não se alfabetizarem ecologicamente e não mudarem o rumo do mundo poderão levar a biosfera para um impasse desastroso.
    A segunda constatação, por mais desafiadora que seja, é singelamente esta: como está não dá mais para continuar. Somos obrigados, se queremos salvar o planeta e a humanidade, a imaginar e a inventar um outro modo de conviver, de produzir para toda a comunidade de vida, de distribuir os bens necessários, de consumir responsável e solidariamente e de tratar os dejetos. Precisamos, como enfatiza a Carta da Terra, de "um modo sustentável de viver" porque o vigente, como foi comprovado matematicamente, não é mais sustentável para 2/3 da humanidade. Isto quer dizer: todas as alternativas energéticas que se estão tomando na construção de uma Arca de Noé salvadora do sistema imperante, escamoteiam o cerne da questão. Elas, tomadas em si, não nos salvarão do dilúvio. Dentro de dezenas de anos vão mostrar sua ineficácia o que vai provocar a maldição da humanidade sobre a nossa geração. Dir-se-á: "vocês foram alertados e sabiam mas preferiram a cegueira voluntária e a nossa perdição para garantir o curso que lhes dava vantagens".
     O memorando Bush-Lula prevê uma produção massiva de etanol seja de cana (Brasil) seja de milho (USA). Atualmente o Brasil produz 17,5 bilhões de litros de álcool. Com a utilização de 90 milhões de hectares agricultáveis poderá chegar a produzir 110 bilhões, podendo controlar 50% do mercado mundial. É incompleta a afirmação que é uma energia limpa. É limpa apenas no uso em carros. Mas em seu processo de produção é poluente porque inclui os fertilizantes, o transporte, a estocagem, as máquinas e a liberação de nitrogênio que contamina poderosamente as águas e, transformado em ácido nítrico, produz chuvas ácidas, danosas para as florestas. Oxalá não ocorra no Brasil o que ocorreu na Malásia: 87% de desflorestamento, expulsões de camponeses e terras roubadas à produção de alimentos.
     Para nos salvar importa redesenhar todo o processo produtivo, adequado a cada ecosistema, valorizando tudo o que a humanidade inventou para sobreviver, dos sistemas agropastoris e agroecológicos até à moderna nanotecnologia com sua imensa possibilidade de resfriar o planeta.

Fonte: Leonardo Boff - Teólogo

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sábado, 8 de setembro de 2007

Biodiversidade desvalorizada

Pesquisa indica que livros e currículos de escolas do ensino médio de Belém (PA) não contemplam conceitos de biodiversidade e de desenvolvimento sustentável com base em questões ambientais da Amazônia
 
     Embora a biodiversidade seja uma das maiores riquezas e o desenvolvimento sustentável o maior alvo das políticas públicas na Amazônia, os conteúdos ministrados sobre esses dois assuntos em escolas do ensino médio de Belém (PA) têm características universais, desvinculadas das questões ambientais regionais.
     Essa é a principal conclusão do estudo A biodiversidade e o desenvolvimento sustentável nas escolas do ensino médio de Belém, de autoria de Maria de Jesus da Conceição Ferreira Fonseca, professora do Programa de Mestrado em Educação do Centro de Ciências Sociais e Educação e coordenadora do Núcleo de Estudos em Educação Científica, Ambiental e Práticas Sociais, ambos da Universidade do Estado do Pará (Uepa).
     Segundo a autora, sem foco nos estudos científicos produzidos na região amazônica sobre esses temas, os livros didáticos e as propostas curriculares não favorecem o estabelecimento de uma consciência de valorização dos ecossistemas amazônicos.
     O trabalho, publicado na revista Educação e Pesquisa, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, analisou dez livros didáticos e oito propostas curriculares referentes à disciplina de biologia. A pesquisadora entrevistou ainda 24 professores e 719 alunos do 3º ano do ensino médio, etapa final da educação básica.
    A pesquisadora aplicou dois questionários, um dirigido aos professores, que investigou as práticas pedagógicas relacionadas aos temas biodiversidade e desenvolvimento sustentável, e o outro dirigido aos alunos, no qual foram levantadas informações sobre escolarização e conhecimentos sobre esses assuntos.
     "A idéia do estudo não foi quantificar o grau de conhecimento de alunos e de professores frente a esses conceitos, uma vez que foram analisadas escolas públicas e particulares com modalidades distintas de ensino", disse Maria de Jesus à Agência Fapesp.
    "Mas, com base nas informações coletadas, de modo geral as discussões sobre biodiversidade e desenvolvimento sustentável não estão inseridas nas propostas pedagógicas como uma estratégia de conhecimento dos problemas regionais da Amazônia", explica.
    Segundo ela, o conceito de biodiversidade, por exemplo, apresenta limitações entre alunos e professores por estar mais voltado ao número de espécies vegetais e de animais da floresta, enquanto o trabalho da pesquisadora aponta que, além de se referir à variedade de formas de vida presente na terra (diversidade de espécies), a definição de biodiversidade também deve levar em consideração os genes que constituem as espécies (diversidade genética) e os ecossistemas dos quais elas fazem parte (diversidade ecológica).
 
     Plano secundário
     Com relação ao desenvolvimento sustentável, o estudo teve como base o conceito presente no Relatório de Brundtland, lançado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento, que o define como "aquele que atende às necessidades das gerações presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades".
     "Apesar de não haver uma definição única para essas expressões, menos de 5% dos alunos conseguiram descrever com clareza o conceito de desenvolvimento sustentável na perspectiva do relatório, que é o conceito mais aceito e difundido pelos pesquisadores da área. Isso mostra que esses assuntos ainda estão muito distantes das abordagens de ensino na cidade de Belém", lamentou Maria de Jesus.
     O estudo revelou ainda que esses temas, mesmo difundidos nos livros didáticos, não ganham destaque por serem apresentados em planos secundários, como em boxes informativos.
     Nas publicações analisadas, os conceitos adotados sobre a importância da biodiversidade e as causas de seu declínio não contemplaram uma abordagem mais abrangente sobre o tema, relacionada a aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos.
     "Isso se torna evidente quando os livros centram a discussão no argumento ecológico, em vez de tratar da sua importância como estratégia para o desenvolvimento sustentado. Por outro lado, a maioria dos estudantes disse ter tido o primeiro contato com esses dois conceitos no âmbito escolar, e não na mídia, mostrando que a escola, assim como as instituições de ensino e pesquisa, é o espaço mais apropriado para a elaboração de estratégias para a conservação da natureza", concluiu.
Autor: Thiago Romero - Agência Fapesp - Jornal da Ciência

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É preciso entender a profundidade das mudanças que estão ocorrendo em nossos padrões de produção

     As relações de interdependências entre matriz energética e desenvolvimento econômico são complexas e insuficientemente compreendidas. Para exemplificar esse problema, basta lembrar que, durante o século XX, as energias fósseis, em particular o petróleo, constituíram o principal pilar da oferta mundial de energia primária, por serem abundantes e capazes de múltiplas aplicações. Porém, os custos de prospecção e extração do petróleo, e dos demais combustíveis fósseis, têm ultimamente apresentado intenso aumento; além disso, a distribuição mundial das reservas de petróleo é desigual, concentrando-se no Oriente Médio, um espaço geopolítico bastante instável, o que abre a possibilidade de haver, em médio prazo, efeitos macroeconômicos indesejáveis para os governos. É necessário lembrar ainda a emergência do tema do aquecimento global, que, por mais permeado que esteja com sérias controvérsias científicas, já se presta a estimular uma revisão dos parâmetros das políticas energéticas. Esses fatores são fontes de incertezas e, conseqüentemente, alteram as expectativas quanto ao futuro da matriz energética global.
 
Extração de petróleo.
 
     Nesse contexto, novas tecnologias como as células de hidrogênio só serão de fato implementadas em larga escala quando se mostrarem técnica e economicamente sedutoras; por outro lado, as alternativas já testadas representam soluções críveis para governos e empresários. O programa nuclear, por exemplo, que muitos consideravam ultrapassado, voltou a se tornar uma opção atraente, fazendo com que o número de centrais planejadas ou em construção está crescendo nesses últimos anos. Já a experiência brasileira com etanol oferece uma solução energética capaz de substituir parte da demanda por gasolina. Tendo em visto o lugar dos automóveis em nossa civilização, a centralidade das montadoras na economia global e as perspectivas de diminuição da oferta de petróleo no futuro próximo, não é de se espantar que o etanol se posicione como alternativa energética estratégica, gerando um conjunto de expectativas que esse breve artigo procura abordar a partir da recente onda de investimentos estrangeiros no setor sucroalcooleiro brasileiro.
     Desde 2003, ano em que os preços do petróleo começaram a aumentar de modo acentuado, a cadeia de açúcar e álcool brasileira passa por um profundo processo de reestruturação liderado por grupos nacionais e estrangeiros. As formas de entrada dos capitais estrangeiros são variadas e os interesses econômicos envolvidos são heterogêneos. Tradicionais multinacionais do agronegócio, como a francesa Louis Dreyfus, estão reforçando sua participação no setor através de aquisições de usinas brasileiras. Tal estratégia, facilitada pela fragmentação da indústria sucroalcooleira, permite não só que as organizações que já estão no setor reforcem suas posições na indústria, mas também que as empresas que até então não participavam desse negócio entrem rapidamente no setor, transformando-se em atores privilegiados na construção da cadeia global de suprimentos de etanol. Cabe observar que essa estratégia é pouco arriscada, pois, além de essas empresas possuírem competências operacionais no comércio de "commodities", elas já desenvolveram um bom conhecimento do ambiente de negócio brasileiro. Ademais, os investimentos realizados são simples e de fácil integração às suas áreas de atuação.
 
Refinaria de etanol
 
     Outra estratégia privilegiada pelas firmas multinacionais é o estabelecimento de parcerias com grupos brasileiros . No caso de empresas que já atuam no comércio internacional de açúcar e álcool, a exemplo da parceria entre a "trading" brasileira Crystalsev e a gigante americana Cargill, essa opção permite compartilhar recursos e aumentar a escala com a expectativa de se firmar como atores estratégicos da construção do mercado global de etanol. Diferentemente, grupos estrangeiros ainda não inseridos no tecido agroindustrial brasileiro, como é o caso de "tradings" japonesas ou chinesas, podem preferir esse tipo de estratégia no intuito de minimizar os riscos relacionados à falta de conhecimento das regras e práticas empresariais vigentes no Brasil. Para as usinas brasileiras, por outro lado, alianças com grupos estrangeiros representam uma boa oportunidade de acessar os mercados internacionais. Como diversos países, na Ásia e em outras partes do mundo, ensejam estabelecer medidas para adicionar algumas percentagens de álcool anidro à gasolina, é provável que esse tipo de relações empresariais se intensifique em curto prazo.
     Há ainda o caso das empresas de países industrializados que assinaram o protocolo de Kyoto, o acordo internacional sobre redução das emissões dos gases que provocam o efeito estufa: elas provavelmente serão estimuladas a investir na cadeia de etanol brasileiro. É, por exemplo, o caso do Japão, que, através de uma parceria entre o grupo Mitsui e a Petrobras, está buscando garantir uma fonte de suprimento confiável. Um aspecto interessante dessa relação empresarial é que ela enfatiza o desafio logístico do comércio internacional de etanol, uma dimensão crucial para o suprimento global e a credibilidade da cadeia sucroalcooleira brasileira..
     Nesse movimento de diversificação dos interesses estrangeiros na cadeia sucroalcooleira brasileira, a entrada de fundos de investimentos representa uma novidade muito recente. Mais do que novos investimentos num setor em plena expansão, as investidas desse tipo de organizações sinalizam uma mudança nas expectativas. Com efeito, quando ícones do mercado financeiro global decidem apostar em ativos que até então ignoravam, ou quando fundos são levantados com facilidade para investir na aquisição de usinas num país em desenvolvimento, isso reflete certa confiança no futuro e nos lucros que essas decisões poderão auferir. É muito provável que a ampla liquidez internacional que marcou os mercados financeiros globais até a crise atual do mercado de "subprime" incentivou esse tipo de operações. Mas só isso não é suficiente para justificar a entrada de fundos de investimentos estrangeiros na cadeia sucroalcooleira brasileira, e não se pode negar que todo esse aporte de capital é um sinal de que as expectativas quanto ao futuro da matriz energética global estão mudando.
     Os impactos da crescente presença de firmas multinacionais e interesses financeiros estrangeiros na cadeia sucroalcooleira brasileira ainda carece de análises. No entanto, podemos assinalar alguns aspectos que poderão surgir desse processo. Em primeiro lugar, as exportações de álcool, que deslancharam a partir de 2004, devem se intensificar, ainda que importantes compradores iniciais como os Estados Unidos ou a Índia diminuam suas importações ou novos concorrentes apareçam. A implementação do protocolo de Kyoto, as condições de oferta de petróleo e as possibilidades de adicionar etanol à gasolina sem mudanças tecnológicas específicas são forças suficientes para estimular o crescimento da demanda global por etanol brasileiro.
     No plano interno, os investimentos estrangeiros devem acelerar o processo de reestruturação produtiva já em curso. Desde 2005, por exemplo, a recente onda de aquisição já envolveu mais de 20 usinas, das quais mais da metade foram compradas por grupos estrangeiros. Como a indústria sucroalcooleira é ainda bastante fragmentada, o processo de consolidação deve perdurar durante certo tempo. Se por um lado esse processo tende a impulsionar investimentos em usinas de maiores escalas produtivas, a concentração industrial que pode resultar desse processo traz riscos para os consumidores brasileiros. Com efeito, o aumento da escala produtiva e as características do etanol facilitam a implementação de práticas cooperativas e o poder de mercado das empresas. Somada à já concentrada distribuição de combustáveis para automóveis, o processo de consolidação da indústria de etanol pode resultar em preços abusivos e perdas para os consumidores.
     A presença crescente de firmas multinacionais na cadeia sucroalcooleira acarreta não somente uma redefinição da relação Estado-economia no que se refere à soberania e à segurança energética do Brasil, mas também modifica os arranjos institucionais e organizacionais que sustentam a cadeia produtiva. A centralidade de padrões internacionais no que tange às práticas ambientais, comerciais e, talvez, trabalhistas deverá se intensificar, adicionando novos parâmetros ao processo de reestruturação em curso. De modo concomitante, esse processo se tornará mais complexo na medida em que a teia de organizações com possibilidade de atuar na elaboração e definição dos padrões se tornará qualitativamente mais heterogênea. Com efeito, a internacionalização da cadeia sucroalcooleira brasileira lida com a crescente presença de firmas transnacionais desejando estabelecer regras capazes de minimizar as incertezas quanto à oferta de etanol no futuro. Além do mais, essa internacionalização incorpora novos atores nos arranjos organizacionais prevalecentes – sejam eles associações de produtores agrícolas estrangeiros, consumidores, meios de comunicação, ONG's internacionais, técnicos de governos estrangeiros e de instituições globais etc. Como seus valores, interesses e crenças não coincidem nem entre si, nem com os atores brasileiros, os jogos políticos, econômicos e sociais que estruturam o ambiente no qual se discutam os atributos dos futuros padrões do comércio internacional de etanol são incertos e marcados por relações de poder assimétricas. Nesse sentido, cabe perguntar se as diferentes organizações que representam atualmente os interesses brasileiros envolvidos na cadeia sucroalcooleira, em particular os sindicatos de trabalhadores rurais, terão capacidades de participar das agendas de discussão que definirão os padrões internacionais e exercer vozes efetivas quando for necessário.
      A mudança de expectativas em relação ao futuro da matriz energética global e a maior presença de firmas estrangeiras na cadeia sucroalcooleira brasileira representam novas e poderosas forças que estão redesenhando a dinâmica do mundo agrário no país. A complexidade desse processo mereceria maiores conhecimentos para entender, por exemplo, a difusão da lógica energética no mundo rural, as conseqüências sociais e econômicas dos investimentos estrangeiros em usinas e terras brasileiras ou o papel das políticas públicas na regulação desses processos. Antes de enaltecer o papel estratégico dos heróis do agronegócio sucroalcooleiro ou criticá-los de modo convencional, precisamos entender de fato o que essa mudança de expectativa energética implica para o Brasil.
 
Fonte: Ambiente Já / Por Georges Flexor, Agencia Carta Maior
Georges Flexor é professor adjunto do Instituto Multidisciplinar IM/UFRRJ e pesquisador do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura OPPA/CPDA.

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